Trinta e nove dias antes da estreia do GLOBO no cotidiano do país, um evento dava início à relação estreita que desde então o jornal e seus leitores cultivam. Em 20 de junho de 1925, o novo projeto de Irineu Marinho divulgava seu nome e seus primeiros assinantes: os 6.462 participantes da consulta pública para a escolha do título do jornal que votaram em Correio da Noite (primeiro lugar na preferência, mas que teve de ser descartado porque o nome já tinha dono) e O GLOBO. Ao longo dos 99 anos seguintes, esse relacionamento se consolidou como um caso sério, em que, por carta, telegrama, telefone, e-mail, WhatsApp, o leitor passou a colaborar intensamente com a Redação.
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Pouco depois de completar dez anos de vida, O GLOBO perguntava a seus leitores em pequenos anúncios: “Quer ganhar 500$?”. Era o arranque de um projeto que inspiraria tantos outros ao longo do percurso até aqui: o Repórter-Amador. Um número de “telephone”, o 22-2000, era exclusivo para que leitores informassem sobre “occorrencia sensacional, pittoresca, inédita”. Os melhores colaboradores se candidatavam aos 500 réis e a outros prêmios.
Outra iniciativa que abriu novo canal entre os leitores e O GLOBO teve vigência entre 1988 e 1993: o Plantão nos Bairros, mais conhecido como o “projeto das bolhas”, por causa do formato das cabines onde repórteres dos Jornais de Bairro ficavam à espera de pautas ou reclamações vindas dos moradores. Havia bolhas espalhadas por Rio, Niterói e Baixada.
— Elas eram colocadas em pontos estratégicos dos bairros. Desde cedo se formavam filas de moradores querendo reclamar de problemas de sua região. Os leitores valorizavam essa iniciativa, sentiam que estavam sendo ouvidos — lembra Cristina Azevedo, repórter dos Jornais de Bairro de 1988 a 1992 e hoje coordenadora de Comunicação Internacional da Fiocruz.
Outro episódio marcante do relacionamento entre O GLOBO e seus leitores se deu no fim de 1999, quando uma multidão aceitou a convocação do jornal para, juntos, no Forte de Copacabana, saudar a chegada do tão aguardado ano 2000.
A interatividade da Redação com os leitores deu um salto gigantesco com a popularização da internet. Nos anos 2000, uma década após a chegada da web ao jornal, um projeto veio atestar todo o futuro que se abria à participação do público no jornalismo da casa: o Eu-Repórter. O aplicativo permitia enviar denúncias e sugestões de pautas, com fotos ou vídeos, direto do celular.
Ao longo dos primeiros anos do jornal, era eventual a publicação de cartas de leitores. O panorama iria mudar a partir de 5 de janeiro de 1970, quando eles conquistaram um primeiro espaço fixo para se manifestarem, embora de modo ainda tímido. Tudo mudaria em 1993, quando Cartas dos Leitores ganha nova dimensão e periodicidade diária. Nesses 31 anos de publicação, os números expressam a importância de uma das páginas campeãs de audiência do jornal: mais de 1,1 milhão de cartas recebidas, cerca de 135 mil publicadas.
Fonte de pautas
Além de ser um mural aberto às opiniões do público, a seção é fonte inesgotável de pautas para os repórteres da casa. Como no fim de janeiro deste ano, quando a carta de Ruth Kauffman revelou a incrível situação vivida pelas pessoas que foram assistir, no Net.Rio, ao filme “Os rejeitados”: o cinema foi fechado antes de terminada a sessão, e eles ficaram presos lá dentro até serem “salvos”. O texto de Ruth não passou batido pelo Segundo Caderno e rendeu reportagem de repercussão nacional.
— Passei a escrever por vontade de opinar, participar. Acho interessante que a opinião de um cidadão desconhecido possa chegar a tantos leitores. Acho essa página, evidentemente, a melhor do jornal. É um bom termômetro sobre o que as pessoas estão pensando. O ponto de vista do cidadão é indispensável — diz Flavius Figueiredo, de Barra do Piraí, que teve sua primeira carta publicada em 2017 e que virou um dos frequentadores mais assíduos da seção.
Se a carreira de leitor-missivista de Flavius tem apenas sete anos, o mesmo não se aplica a Mariúza Peralva, que há mais de duas décadas envia suas opiniões para O GLOBO. Aos 86 anos e dois livros de suas cartas compiladas, a psicóloga de Niterói reconhece que diminuiu um pouco o ritmo nos últimos tempos, mas parar é verbo que não está no seu horizonte:
— Eu vejo a página dos leitores como filha das ágoras gregas, onde gente de opiniões diversas se reúne e expõe as suas. Isso sempre me motivou muito — conta Mariúza. — Geralmente o que eu quero escrever aparece na minha cabeça quando estou dormindo. Aí não tem jeito, tenho de levantar e escrever imediatamente um e-mail para O GLOBO.