Geração 70

“Ainda estamos no tempo dos doutores e engenheiros, tem a ver com uma classe empresarial tacanha e pequenina”

Com mais de 25 anos de carreira em Portugal, Espanha, Brasil e Estados Unidos, João Coutinho é um dos criativos portugueses mais distinguidos. Vive há 10 anos em Nova Iorque e, na sua carteira de clientes, tem empresas como o TikTok e a Amazon Prime. Sobre Portugal diz que “é um país incrível, mesmo incrível”, mas…

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João Coutinho, diretor de Arte, nasceu no Porto em 1971. Só tem três fotografias a cores até aos 8 anos, porque o pai só gostava de tirar fotos a preto e branco.

“Quando o meu padrasto entrou na nossa vida é que começámos a ter fotos a cores”, afirma, a sorrir, numa conversa em que acaba por revelar vários detalhes da sua infância, nos anos 70 e 80, no Porto.

A casa onde nasceu, perto da rotunda da Boavista, já não existe, mas guarda muitas memórias.

“Era uma casa com quatro andares, nós vivíamos no andar de cima, os meus tios noutro andar e a minha avó e as tias, uma grande comunidade com jardim, era muito giro. Depois os meus pais separaram-se e fomos para a Pasteleira, um bairro perto da Foz, e eu fui para a escola pública, na Pasteleira, com uma mistura experimental dos anos 80, de várias classes, miúdos pobres e ricos”.

“Os meus pais casaram às escondidas, eram rebeldes e comunistas”

João Coutinho conta que os pais eram de famílias antigas do Porto, “mais de direita e conservadoras, e casaram às escondidas, eram rebeldes e comunistas.”

Lembra-se das discussões políticas com os pais e de falarem sobre a ditadura e o atraso do país. “A escola pública foi importante para mim e os amigos que ainda hoje tenho vieram desse tempo”, diz.

O criativo ainda quis ser arquiteto, mas acabou por se licenciar em publicidade. Montou uma agência com uns amigos e, nos primeiros tempos, o principal cliente era a discoteca Indústria, no Porto, para onde faziam flyers e cartazes.

Um dos melhores 10 diretores de arte do mundo

Há três anos, nos Estados Unidos, cofundou a Atlantic, uma agência criativa. Trabalhou para clientes como a Yahoo, Twitter, Amazon Prime ou TikTok.

João Coutinho foi várias vezes premiado e eleito um dos 10 melhores diretores de arte do mundo.

“Vejo muitas pessoas aqui a queixarem-se da política, mas é só porque não vivem nos Estados Unidos e não sabem o que é a bipolarização a sério. Conflitos, tensão racial, de género, todo o tipo de tensão sente-se na rua”, afirma, dizendo ainda que acha “assustador o que está a acontecer em França”.

“Trump em 2016 realmente mudou o mundo”

O criativo portuense vive há 10 anos em Nova Iorque, mas antes passou quase três anos em São Paulo e, entre 1999 e 2002, esteve em Madrid - “no tempo de Aznar [ex-primeiro ministro espanhol], quando a Espanha estava a bombar na América Latina”.

“Nova Iorque é a cidade mais diversa do mundo, mas os migrantes andam pelas ruas perdidos. Isto é uma coisa que se tem agravado no último ano e ninguém está a tratar deles. Começa a haver xenofobia até em Nova Iorque, onde antes não havia. Aqui em Portugal vês também imensas demonstrações de xenofobia contra os indianos e pessoas do Bangladesh. Vês que Trump em 2016 realmente mudou o mundo”.

“Portugal é um país incrível, mesmo incrível, pior são os salários”

“Não sou de todo defensor do saudosismo ‘Portugal antigamente é que era’. O ano passado morei 10 meses em Lisboa e muita gente dizia ‘Lisboa está muito diferente’. Eu acho que está, mas há coisas boas e coisas más. No geral está muito melhor e as pessoas têm de ter a mente aberta para isso”, afirma.

“Portugal é um país incrível, mesmo incrível. A parte pior são os salários, que não evoluíram. São muito, muito maus. Acho que ainda estamos no tempo dos ‘doutores e engenheiros’, tem a ver com uma classe empresarial tacanha, pequenina, de um antigamente em que não havia muitos doutores nem engenheiros, só dois ou três”, diz o diretor de Arte.

“Portugal está super na moda nos Estados Unidos e conheço vários americanos ligados à publicidade e à arte que moram em Lisboa. Falam das praias, da comida e do vinho verde. Toda a gente vê o país como um país super seguro, pessoas super simpáticas, lugares lindos e históricos, quase como uma pérola por descobrir”.


"Já tive campanhas de publicidade que falharam, mas boas também. Fiz parte da equipa que lançou o Euromilhões em Portugal há 20 anos, fomos nós que criámos o conceito ‘A criar excêntricos todas as semanas’ e continuam a usá-lo. No Brasil, em 2012, fiz uma campanha de doação de órgãos no Nordeste para apelar ao futebol. Dissemos ‘o teu coração e os teus órgãos vão continuar a bater pelo teu clube mesmo depois de morreres’ e teve uma adesão enorme, aumentou o número de dadores. Há pouco tempo convidaram-me para falar sobre isso em Boston para 4 mil pessoas, 12 anos depois, foi muito engraçado."

Neste momento a agência de João Coutinho tem como cliente o TikTok e adora. “Eu já gostava do TikTok antes de trabalhar com eles, mas adoramos trabalhar, são clientes cinco estrelas, verdadeiros parceiros”.

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.

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