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Desperdício zero: podemos viver sem produzir lixo?

Reduzir e reciclar

Especialistas

pesso às compras numa loja
iStock

Há famílias que seguem o lema "desperdício zero" e tentam não produzir lixo em casa.

A ideia de desperdício zero, divulgada pela blogger norte-americana Bea Johnson, acabou por se espalhar e tornar-se um movimento. E é muito simples: tentemos viver sem praticamente produzirmos resíduos.

Ana Milhazes sentiu a atração por esta ideia, e deu uma reviravolta à vida. “Nunca deixei de fazer nada por ter convicções diferentes”, esclarece Ana Milhazes, que se converteu à sustentabilidade com o lema "zero waste", ou desperdício zero. “Acho que isso é o mais importante: quando estamos numa comunidade à parte, não conseguimos mudar o mundo.”

No seu blogue Ana, Go Slowly, que criou em 2012 (mais tarde, acrescentou-lhe uma loja online homónima, onde vende e-books sobre a matéria), explica o seu modo de vida em gestos simples e possíveis de aplicar na sociedade em que vivemos.

Ainda no tempo em que era gestora de projeto numa empresa, a viver à velocidade máxima permitida pelo corpo e pela mente, já observava pequenos gestos para dar tréguas ao ambiente. “Sempre que saía do escritório, tinha o meu kit com sacos e frasquinhos para fazer as compras, e aproveitava, muitas vezes, a hora do almoço para ir a mercearias a granel, por exemplo.” Também levava a sua garrafa de água reutilizável, até para as inúmeras reuniões a que era obrigada a assistir, e tinha o seu copo de café na empresa.

Depois de mudar de rumo, hoje consegue viver do blogue e de palestras sobre todos estes assuntos. Mas como se pratica o que se prega? Ana dá o exemplo do seu kit de sustentabilidade, composto por talheres (colher, faca e garfo, pauzinhos do chinês, palhinha reutilizável de aço inoxidável e guardanapo de pano), garrafa de água e copo de café reutilizáveis, lufa vegetal (esponja mais comprida, que pode ser utilizada no banho ou para lavar a louça), escova da louça com cabeça amovível, entre outros objetos.

O dia-a-dia começa cedo: “Ao pequeno-almoço, levamos sempre o nosso saco para comprar o pão, seja no supermercado, seja na padaria. Chegamos a comprar em maior quantidade, e congelamos fatiado. Depois, preparamos os lanches das crianças para a escola. Levam umas bolsinhas de tecido, reutilizáveis.

Fazem algumas refeições vegetarianas por semana, pois só Ana é “praticante” permanente deste hábito. Mas as refeições têm forte componente vegetal. Só há uma matéria que gera, por vezes, algum conflito: “Com os duches longos, às vezes, chateio-me um bocadinho. Então, dou uma sugestão, essencialmente à mais velha, que gosta muito de música: que escolha um tema, de cinco minutos, e que tente tomar banho só enquanto dura aquela música.”

Tenta que tudo se faça em casa da forma mais lúdica possível, da separação de resíduos para o ecoponto à consciência da redução do uso de plásticos, até em material escolar. “Acho engraçado, porque eles têm sempre uma justificação: ‘Ana, tentei comprar sem plástico, mas não encontrei...’” Ana Milhazes já conseguiu lançar as sementes destes conceitos, para as gerações seguintes.

O dia de uma família sustentável

A vida de Catarina Barreiros é muito semelhante. Já trazia o bichinho da sustentabilidade dos hábitos familiares. “Há 28 anos, quase ninguém reciclava, mas a minha mãe reciclava. A minha avó lavava os sacos de plástico e estendia-os, para depois os voltar a usar. Aproveitávamos todos os restinhos de alimentos para fazer sopas e outra comida, e a água era reutilizada...” Mas houve um clique que a fez mudar de vez para um estilo de vida de desperdício zero, que divide em dois momentos: quando viu um documentário sobre consumo e alimentação e quando, depois, tomou contacto com as ideias de Bea Johnson, numa palestra a que a levou o marido, quando se conheceram.

O dia-a-dia começa sempre com um “relógio” natural: a filha do casal, que acorda todos em casa sempre às 06h00 da manhã. “Trocamos-lhe as fraldas, que são reutilizáveis, vestimo-la com roupa em segunda mão. Aliás, é muito raro comprarmos roupa nova para ela ou para nós. E vamos levá-la à escola de bicicleta.” Segue-se a vida profissional dos pais: “Trabalhamos num negócio virado para a sustentabilidade, ajudando as pessoas a acederem a produtos mais sustentáveis.” É a loja Do Zero, homónima do blogue de Catarina, que, tal como Ana, tenta espalhar a palavra da sustentabilidade. “Trabalhamos na nossa loja, às vezes, fazemos workshops, ou conferências, e tentamos, sempre que possível, manter as opções de teletrabalho, pois o transporte vai sempre gerar emissões. Mas, quando temos de deslocar-nos, se forem distâncias muito grandes (às vezes, algum cliente que esteja a uns 200 quilómetros), alugamos um carro elétrico.”

Nada é deixado ao acaso: “Se formos almoçar fora, temos a preocupação de escolher restaurantes que sigam os nossos princípios de sustentabilidade. Se não, ajustamos a alimentação e procuramos saber de onde vêm os produtos de origem vegetal que vamos consumir, dentro do possível.” Em casa, o cuidado com a água e o desperdício alimentar também são lemas fortes. “Depois de darmos o banho à nossa filha, aproveitamos essa água para descarregar o autoclismo. Tomamos banhos muito curtos, uns a seguir aos outros, para poupar a energia necessária para aquecer a água.” E, apesar de viverem em Lisboa, têm um pequeno quintal em casa, onde conseguem fazer a compostagem dos biorresíduos. E é possível fazê-la, defende Catarina, mesmo em apartamentos. “Utilizamos umas minhocas californianas numa caixa, que transformam em adubo os restos alimentares que não são utilizados, e que depois usamos na nossa pequena horta. Não tem cheiro.”

O exemplo começa em casa, mas há muito por fazer para mudar, em termos ambientais, o estado do mundo. Catarina lembra-se, e é só um exemplo, do forte lóbi da aviação, em detrimento da ferrovia. “O progresso, visto politicamente por alguns, não se coaduna com o progresso ambiental do mundo em que vamos viver daqui a dez ou 20 anos.”

Recusar e reduzir, pela sustentabilidade

Na verdade, basta o senso comum para sabermos que é praticamente impossível viver sem produzir resíduos. O que esta iniciativa pretende é que exista uma mudança nos hábitos de consumo e que as pessoas se tornem mais conscientes de que é possível reduzir a quantidade de lixo que geramos ao longo do dia. Ao mesmo tempo, devemos utilizar os produtos ao máximo, sem a tentação de os deitar logo fora. Por isso, somam-se mais dois “erres” àqueles que já conhecemos desde há alguns anos. Falemos de todos de uma vez:

  • Recusar – é preciso dizer “não” aos produtos de que não necessitamos e que compramos apenas por impulso;

  • Reduzir – ao necessitarmos de menos produtos, também reduzimos a quantidade de resíduos gerados;

  • Reutilizar – antes de deitarmos qualquer coisa fora, temos de perceber se não é possível reparar o produto ou utilizá-lo noutro local, para outro fim;

  • Reciclar – tudo o que não conseguimos voltar a utilizar deve ser reciclado, mas devemos ter a noção de que existem materiais que não se podem reciclar para sempre;

  • Repensar – há que alterar atitudes, comportamentos e opções de compra, e utilizar os resíduos orgânicos gerados em casa, como restos de alimentos, para fazer composto, se possível. Algumas zonas do País já dispõem de recolha seletiva de biorresíduos. A lei vai cada vez mais, aliás, no sentido da redução e do reaproveitamento de resíduos e de outros objetos de consumo: até 31 de dezembro de 2023, é obrigatória a recolha seletiva de biorresíduos em todos os municípios, bem como dos têxteis, de resíduos perigosos e de resíduos de mobiliário (até 1 de janeiro de 2025).

Dicas para reduzir o desperdício

Cozinha e limpeza do lar

Opte por beber água da torneira, e não engarrafada. Em Portugal, é totalmente seguro bebê-la. Se não gostar do sabor, adicione ingredientes, como maçã ou pepino. Substitua objetos descartáveis por reutilizáveis, como toalhitas de limpeza por panos resultantes de roupa que já não usa.

Privilegie locais que vendam a granel. Pode levar os seus recipientes vazios e enchê-los com os produtos que deseja.

Em vez de comprar ambientadores, areje a casa durante, pelo menos, dez minutos duas vezes por dia.

Aproveite as sobras das refeições para fazer novas receitas. Em Portugal, desperdiça-se, por ano, um milhão de toneladas de alimentos.

Utilize um contentor para fazer compostagem. Se o município onde habita já possuir recolha seletiva de biorresíduos, pode também separá-los e entregá-los nesse serviço.

Quarto e roupeiro

Prefira a roupa em segunda mão ou faça alterações às suas peças de estações anteriores. Tente comprar produtos que tenham uma garantia para a vida.

Remende a roupa que se rasgou. Apenas por se ter danificado um pouco não significa que não a possa consertar e usar mais vezes.

Faça uma revisão à roupa que tem no armário. O que já não quiser e se encontre em boas condições pode doar a familiares, amigos ou a instituições de solidariedade.

Resista às promoções e campanhas que o levem a comprar o que não precisa. Evite ser impulsivo. Compre roupa poucas vezes por ano, e apenas aquilo de que necessita realmente.

Casa de banho

Compre champô e gel de banho em lojas a granel e utilize frascos para os guardar. Se não for possível, prefira embalagens maiores. Assim, reduz o número de embalagens utilizadas.

Utilize pasta dos dentes que não seja vendida com embalagem de cartão, que é desnecessária.

Considere fazer alguns produtos em casa. Cosméticos e pasta dos dentes são relativamente simples de produzir.

Evite escovas de dentes elétricas. Apesar de mais eficazes a remover a placa bacteriana, não está provado que reduzam a incidência de doenças dentárias. Mais: têm impacto ambiental muito superior ao das versões manuais em que é possível trocar a cabeça. Manuais ou elétricas, as escovas não são recicláveis e seguem para aterro.

Não use lâminas de barbear descartáveis. Prefira as que permitam a substituição de lâminas. Escolha desodorizantes ou antitranspirantes com embalagem mais leve e que não venham em caixas de cartão.

Escritório

Adira às faturas via e-mail, rejeitando o envio por carta. Serão gerados menos resíduos de papel.

Utilize as folhas de impressões antigas como rascunho. As folhas que estejam apenas utilizadas num dos lados ainda podem ser úteis.

Prefira os clipes aos agrafos. Podem ser utilizados várias vezes, enquanto os agrafos terão de ser deitados no lixo depois de retirados.

Imprima apenas os documentos que são estritamente necessários.

Fora de casa

Escolha restaurantes que utilizem exclusivamente loiça reutilizável. Rejeite palhinhas e outros materiais dispensáveis.

Quando for às compras, além de recipientes vazios para encher nas lojas a granel, leve sacos para transportar o que adquirir. Não se esqueça ainda do saco do pão.

Leve também uma garrafa de água reutilizável. Assim, não terá de comprar água engarrafada.

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