Se não fosse a sorte, ele não contava a história. Se não fosse a “incompetência do utilizador” da faca, ou se o clima não favorecesse o transporte por helicóptero para o hospital, ou se o seu corpo não tivesse uma capacidade de recuperação fora do vulgar — todos os médicos o disseram —, esta conversa não teria acontecido. Sobretudo, Salman Rushdie não teria escrito “Faca”, por cá lançado em maio pela D. Quixote, onde narra com total pormenor a vulnerabilidade de um corpo que hoje vive mais consciente de si mesmo. Ele é também corpo, e talvez no futuro esse seja um tema a desenvolver. Por enquanto, o escritor indo-britânico-americano senta-se ao computador e deixa-se ficar por lá. Aos 77 anos, planeia com a mulher, a também escritora e poetisa Rachel Eliza Griffiths, a festa do seu 100º aniversário. Tendo perdido grandes amigos nos últimos tempos e quase perdido a própria vida em agosto de 2022, vê-se a ter uma existência mais privada. Provavelmente ao pé de um rio e de uma árvore, com um bloco de notas na mão. “Penso que, durante um tempo, o mundo não precisa de ouvir falar de mim.”
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