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Água da torneira: confiança em alta

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Água da torneira
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A água que nos chega a casa tem elevada qualidade. Mas há que manter a vigilância. Não só a sociedade mudou, o que leva a que surjam novos contaminantes, caso de medicamentos ou microplásticos, como também é preciso apertar os limites de substâncias já controladas. A nova lei reflete estas preocupações.

Em Portugal, 98,88% da água distribuída para consumo humano é segura. Anunciado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), o valor é muito animador, e nutre-nos com elevada confiança para abrirmos a torneira, deixarmos escorrer o líquido vital para um copo e completarmos o gesto com um trago.

Mas uma qualidade perto do pleno não deve justificar a inação. Os desafios são muitos, e aparecem já plasmados na diretiva europeia que foi transposta em agosto último para o direito nacional. Novos contaminantes, decorrentes das mudanças na sociedade e na forma como vivemos, caso de fármacos e de microplásticos, passam a ser pesquisados. E substâncias que já eram controladas, como o chumbo e o crómio, têm agora limites mais apertados.

Estas e outras novidades são exploradas pela DECO PROteste, que faz o ponto da situação quanto à qualidade da água em Portugal, um tema sensível, sobretudo com as notícias recentes que expuseram falsificações de resultados de análises por um laboratório acreditado.

É natural que a gravidade do sucedido abale um pouco a confiança no sistema, mas há que manter a tranquilidade. A ERSAR e as autoridades de saúde são obrigadas a analisar os riscos e a acompanhar as situações que ponham em causa a saúde pública. E, neste caso, atuaram rapidamente, procedendo inclusive a análises de controlo independentes.

A lei diz que, face a um perigo para a saúde pública, deve ser determinado o corte no abastecimento. Ora, este cenário não chegou a ocorrer, depreendendo-se daqui um nível de gravidade que, não sendo possível ignorar, deverá ser encarado com serenidade.

A DECO PROteste pediu esclarecimentos à ERSAR, que colaborou com as autoridades policiais. Em resposta, o regulador tranquilizou os portugueses, afirmando que as ações de monitorização por si realizadas “não revelaram resultados discordantes, ou seja, não existem razões para duvidar da globalidade dos dados enviados pelas entidades gestoras e que são utilizados para calcular o indicador ‘Água Segura’”.

Explicou ainda que existe um instrumento de validação do modelo de regulação da qualidade da água para consumo humano, que é a vigilância por parte as autoridades de saúde. Segundo afirmou, procedem a um controlo de qualidade complementar e independente daquele que é efetuado pelas entidades gestoras e pela ERSAR. “Se houvesse resultados discrepantes significativos entre estas três monitorizações, já teriam sido identificados”, concluiu. E, pelas razões enumeradas, afirmou que “a água da torneira, em Portugal, é segura e não coloca riscos significativos à proteção da saúde humana”.

Intrincada cadeia de informação visa segurança da água

Os resultados das análises à qualidade da água são de divulgação obrigatória na fatura. A lei assim o determina, e a ERSAR propôs um modelo para as entidades gestoras concretizarem este dever. Trata-se, naturalmente, de um formato simplificado. Para obter mais detalhes, é possível consultar o site da ERSAR ou até descarregar a app do regulador para um dispositivo móvel, e consultar informação concelho a concelho. Os dados mais recentes são de 2022.

As entidades responsáveis pelo abastecimento de água, por sua vez, são obrigadas, todos os três meses, a publicar os resultados das análises nos seus sites, sem prejuízo de os divulgarem ainda por outros meios. Há elementos que devem constar: número de análises previstas no plano de controlo de qualidade e as efetivamente realizadas, valores mínimos e máximos por parâmetro testado, com a percentagem de resultados que respeitam os limites estipulados, e as medidas corretivas em caso de incumprimentos.

Para que as entidades gestoras possam agir, os laboratórios que procedem às análises devem, então, comunicar-lhes todos os casos de incumprimento. Têm até ao fim do dia útil seguinte ao do conhecimento dos resultados. Já as entidades gestoras são obrigadas a avisar a ERSAR e as autoridades de saúde, na eventualidade de algum desses casos envolver riscos para a saúde humana. No limite, já o sabemos, será determinado o corte da água ou o condicionamento do seu consumo.

Principais novidades da legislação europeia da água

"A água não é um bem comercial, mas um bem público". A afirmação é da Comissão Europeia, e foi proferida em 2014, quando instou os Estados-membros a garantirem o acesso a água segura a todos os cidadãos, enquanto prometia continuar a melhorar a qualidade deste bem público, com a implementação de políticas ambientais.

Mais confiança na água da torneira traz consequências positivas para o orçamento das famílias, que recorrem a menos versões engarrafadas, e para o ambiente, menos pressionado pelos resíduos de plásticos.

No final de 2020, e muito devido à iniciativa de cidadania europeia Right2Water, foi aprovada uma diretiva ambiciosa, adotada por Portugal em agosto de 2023. Vejamos as principais novidades.

Avaliação e gestão do risco em toda a cadeia de abastecimento

A qualidade da água para consumo humano passa a ser monitorizada ao longo de todo o sistema: bacia de drenagem, captação, sistemas de tratamento e distribuição, e redes prediais devem ser monitorizados.

Melhores materiais e produtos em contacto com a água

A legislação estipula regras para o uso dos materiais e produtos em contacto com a água, obrigando a que as entidades gestoras recorram às melhores soluções com vista à proteção da saúde humana (por exemplo, evitando a migração de partículas contaminantes para a água).

Redução de perdas

O relatório anual da ERSAR já avalia as perdas reais de água e a reabilitação de condutas e ramais. Entretanto, a avaliação torna-se obrigação dos Estados-membros, que têm de comunicar à Comissão Europeia os resultados, assim como um plano de ação para a redução destas perdas.

Mais atenção a substâncias e compostos

Novas substâncias são controladas. Exemplos: o bisfenol A, desregulador endócrino; o urânio, substância radioativa também presente na natureza; os vestígios de produtos farmacêuticos; e os microplásticos. Parâmetros já vigiados, como chumbo e crómio, têm agora limites mais apertados.

Pesquisa de legionela e chumbo em sistemas ditos prioritários

Os sistemas de distribuição predial, a hospitais e outros edifícios públicos, passam a ser vigiados quanto à bactéria legionela, causadora de infeções respiratórias graves, e ao chumbo, que, a longo prazo, pode provocar danos irreversíveis no sistema nervoso, nos rins e noutros órgãos.

Mais informação sobre as análises

O dever de informar o consumidor, via fatura detalhada e site das entidades gestoras, já vinha na lei. Agora, a comparação do consumo do agregado com o gasto médio de outras famílias, bem como a indicação do preço por metro cúbico e litro, são também obrigatórios.

Qualidade da água é elevada em todo o território

Em Portugal, cada município tem um plano de controlo da qualidade da água, que obriga à realização de um certo número de análises a vários parâmetros físico-químicos e microbiológicos. Bactérias como E. coli, coliformes e enterococos, que têm origem fecal, assim como metais pesados, caso de chumbo, mercúrio e alumínio, e outras substâncias que podem ter impacto negativo na saúde humana são analisados, verificando-se se cumprem os valores legalmente fixados. Ainda alvo de controlo são o cheiro, a cor, o sabor, a turvação e o pH. Portugal tende para o cumprimento: em 2022, quase 99% das análises previstas nos planos foram efetuadas.

E a qualidade da água examinada? No nosso país, dez entidades, ditas em alta, captam, tratam e fornecem água a inúmeras entidades gestoras, ditas em baixa, que a fazem chegar a casa dos consumidores nos vários concelhos. Segundo dados publicados pela ERSAR em 2023, mas que reportam a 2022, 99,62% da água distribuída pelas entidades em alta é segura. Também aquela que chega a casa dos consumidores do Continente, pela mão das 227 entidades gestoras que aí operam, atinge uma segurança de 98,88 por cento.

Segundo o regulador, a maioria dos incumprimentos dos limites fixados para cada parâmetro ocorreram em zonas com menos de cinco mil habitantes. Ainda assim, estas alcançaram 98% de água segura, um valor que se aproxima da excelência.

Contas feitas, em 2022, 52 dos 278 concelhos do Continente (45 em 2021) ofereceram 100% de água segura, 15 da região Norte, 26 do Centro, dois de Lisboa e Vale do Tejo, sete do Alentejo e dois do Algarve. Tendo como fasquia a média nacional, de 98,88%, 74 municípios apresentaram valores inferiores.

Nos resultados por concelho, impõe-se um sublinhado aos casos de Arronches e Crato, no Alentejo, e de Sever do Vouga, na Beira Litoral, com água segura aquém de 95 por cento. Trezentas e trinta e seis análises em falta, face às previstas nos planos de controlo de qualidade aprovados pela ERSAR, 172 das quais da responsabilidade de Sever do Vouga, justificam o desfecho.

Problemas a resolver para alcançar a excelência

Quais foram, em 2022, os problemas que impediram que se atingisse os 100% na qualidade global? Tratou-se, em especial, dos subprodutos resultantes das substâncias usadas para desinfetar a água, com níveis acima dos limites fixados, e de algum desequilíbrio no pH, ou seja, no grau de acidez ou alcalinidade. Na sua maioria, corresponderam a inconformidades sem impacto na saúde humana. Noutros casos, as contra-análises efetuadas não confirmaram a situação inicial.

Não obstante, há melhorias a introduzir ao nível nacional: passam, sobretudo, por maior eficácia na desinfeção, pois o cumprimento dos limites admissíveis para as bactérias coliformes, de origem fecal, fica aquém dos desejáveis 100 por cento. Na origem de alguns incumprimentos estará a ausência de desinfetante ou o seu emprego em concentrações insuficientes.

Entidades gestoras na mira do regulador

O sistema não se limita, porém, a dar como boa a palavra dos laboratórios e das entidades gestoras, que fazem chegar à ERSAR os resultados das análises: apoia-se ainda na ação fiscalizadora daquela entidade. Análises laboratoriais à água que nos chega à torneira, inspeções no terreno, avaliação crítica dos dados que lhe são reportados ou supervisão de laboratórios são prerrogativas do regulador.

Em 2022, segundo dados que a ERSAR divulgou, das 54 ações de fiscalização que levou a cabo, levantou autos, com indícios passíveis de contraordenações, a 22 entidades gestoras. Irregularidades na divulgação dos dados sobre a qualidade da água, ausência de programa de controlo operacional e falhas na implementação do plano de controlo de qualidade aprovado foram os principais problemas identificados. Acresceram 133 processos, estes justificados com o desrespeito pelo prazo para introduzirem os resultados da qualidade da água na plataforma da ERSAR e para submeterem os relatórios da avaliação de risco ao crivo do regulador.

Tais ações são importantes para o aperfeiçoamento do sistema. O mesmo se aplica à fiscalização da qualidade da água, outra missão da ERSAR, que faz colheitas por amostragem à saída da torneira dos consumidores. Apesar disso, quem reside em edifícios antigos, onde a canalização pode ser ainda de chumbo, tem interesse em pedir a análise à água que lhe chega a casa. Uma opção é dirigir-se à entidade responsável pelo abastecimento. Confiança tem de ser a palavra-chave, quando os portugueses abrem a torneira.

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