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Greenwashing: a reviravolta das marcas

Estilo de vida

Especialistas

Várias embalagens supostamente mais sustentáveis
João Ribeiro

As embalagens alimentares têm, muitas vezes, anúncios como “eco”, “amigas do ambiente”, “sem plástico”, entre outras. Será que todas estas alegações são verídicas? Entre junho e setembro de 2022, a DECO PROTeste foi às compras e selecionou algumas embalagens que considerou relevantes ao nível dos materiais e das alegações de sustentabilidade, e levou-as a laboratório para análise. Contactou, então, os fabricantes para que justificassem as alegações que faziam nos rótulos.

Cientes de que os consumidores têm uma maior preocupação com o ambiente, muitas marcas promovem alterações em embalagens como uma forma de mostrar a sua preocupação com a sustentabilidade.

Algumas das alegações identificadas não conseguiram ser comprovadas com base em evidências científicas, após avaliação técnica. Os fabricantes foram de novo contactados e assumiram o compromisso de alterar as embalagens, removendo as alegações em causa. A DECO PROTeste aplaude a iniciativa e compromete-se a continuar a acompanhar as mudanças não só nestas embalagens, mas no mercado em geral.

Vejamos, produto por produto.

A marca de arroz, com uma nova embalagem em 100% em papel e 100% reciclável, promete ser mais amiga do ambiente. A embalagem inovadora foi analisada em laboratório. Confirma-se: a embalagem é mesmo 100% em papel e deve ser colocada no ecoponto azul, para que seja reciclada. Já em relação à associação entre esta característica e uma suposta “maior amizade com o ambiente” relativamente às restantes embalagens de plástico, o assunto é mais complexo e carece de estudo de análise de ciclo de vida dos vários materiais.

Para justificar esta alegação, o fabricante concentrou os argumentos apenas no tipo de matéria-prima utilizada (renovável) e no fim de vida das embalagens, considerando que, em caso de descarte incorreto na natureza (solo ou mar), as embalagens de plástico teriam maior impacto ambiental.

É um facto que a matéria-prima do papel é renovável e que, em caso de descarte incorreto da embalagem na natureza, o papel poderá ser menos prejudicial. No entanto, esse argumento, só por si, não significa que esta seja uma embalagem “mais amiga do ambiente”. Falta um estudo de analise de ciclo de vida com avaliação dos impactos ambientais das várias alternativas de materiais de embalagem, como papel, plástico, bioplástico e plástico compostável, e outros considerados relevantes, ao longo das várias fases de ciclo de vida, desde a origem das matérias-primas até ao destino final. Sem isso, apenas existe a perceção da empresa de que um material é melhor que outro. Perceção esta que, infelizmente, não tem validade científica.

A Novarroz, marca que comercializa este produto, comprometeu-se a alterar a embalagem, retirando as alegações em breve.

Como o nome indica, o Esparguete Alentejo ECO é um produto de fileira nacional, 100% português e alegadamente embalado em papel reciclável, com origem sustentável e certificada. As alegações são diversas e, por isso, mereceram a nossa análise.

Embalagem reciclável: fomos analisar os materiais presentes na embalagem e concluímos que esta embalagem pode, de facto, ser colocada no ecoponto azul para ser reciclada.

Segundo a marca, a embalagem é “Eco” e esta alegação surge depois de uma comparação com outras embalagens de plástico utilizadas para embalar esparguete. A afirmação transmite a ideia de que se trata de uma embalagem com menos impactos ambientais do que as restantes presentes no mercado. No entanto, após contacto com a marca, não nos foi facultado nenhum estudo que comparasse o impacto ambiental, ao longo de todo o ciclo de vida, não só da alternativa de plástico e da de papel, mas também outras que pudessem ser relevantes. Assim, seria possível ter uma contabilização do impacto ambiental das várias alternativas e perceber a melhoria que a nova embalagem iria trazer. Uma vez que esta alegação não foi confirmada com evidências científicas, a marca assumiu o compromisso de retirar da embalagem as alegações em causa.

Duas promessas enquadram a análise às novas embalagens da Vianeza: “100% reciclável” e “A nossa produção é sustentável com baixo impacto ambiental”. Também este fabricante foi contactado e é necessário dissecar os dois argumentos.

“100% reciclável”? É verdade, apesar de a embalagem ser composta por dois tipos de materiais diferentes, papel e plástico. O problema é que não podem ser reciclados em conjunto (são separados para o ecoponto azul e o amarelo, respetivamente). Isto significa que o consumidor terá de os separar antes de os depositar no ecoponto, pelo que, se o consumidor não os separar, esta embalagem não será reciclada. Não se trata de greenwashing, mas pode ser um “convite” a depositar a embalagem completa (sem separar os dois materiais) no ecoponto azul, inviabilizando a reciclagem mais tarde.

“Produção sustentável e com baixo impacto ambiental” – trata-se de uma afirmação vaga que requer evidências científicas. Ao contacto da DECO PROTeste, a marca respondeu que esta alegação se deve a três pontos: o uso de painéis solares como principal fonte de energia de todo o processo de produção; o uso de gás natural; e uma nova fábrica mais sustentável, feita de raiz. É positivo, mas não garante forçosamente um “baixo impacto ambiental”. Faltou uma partilha dos estudos científicos que pudessem estar na base desta afirmação, de forma a ser possível contabilizar os impactos ambientais e saber se são, efetivamente baixos ou altos. Faltou também saber se esta alegação é feita com base na comparação com as práticas de outras marcas ou setores de atividade. “Produção sustentável com baixo impacto ambiental” comparando com o quê ou com quem?

A marca juntou-se às restantes, no compromisso de retirar as alegações da embalagem.

É aquele tipo de produtos que estamos habituados a ver em embalagens de plástico. Daí que o fabricante alegue que, com esta inovação, estas embalagens diminuem em 70% o uso de plástico e são recicláveis, sendo por isso “escolha amiga do ambiente”.

Embalagem reciclável. Mas será mesmo? Uma vez que se trata de uma embalagem que mistura vários tipos de materiais, a marca explica, no verso, como deve ser feita a separação dos materiais, devendo o plástico ir para o ecoponto amarelo e o papel para o ecoponto azul. No entanto, caso o consumidor não separe o plástico que se encontra na cuvete de cartão, a embalagem não será reciclada. A adição de maior complexidade na separação dos resíduos pode fazer com que os consumidores desistam de separar estes dois materiais. Não se trata de greenwashing, mas se todas as marcas tivessem embalagens deste tipo, não seria uma sobrecarga inútil ao processo?

“Menos 70% de plástico”? Sim, com base em estudos apresentados pelo fabricante, a DECO PROTeste confirmou esta alegação. Isso torna-a “escolha amiga do ambiente”? Não vale só dizer, é necessário comprovar. A DECO PROTeste também contactou este fabricante, para que pudesse esclarecer e justificar esta alegação vaga. Em resposta, a marca não apresentou um estudo de análise de ciclo de vida, com avaliação dos impactos ambientais dos vários materiais alternativos, verificando efetivamente qual o material “amigo do ambiente”.

Mais uma vez, sem exceção, esta marca comprometeu-se a retirar esta alegação da embalagem.

É possível fazer uma cápsula de café com “0% de alumínio e 0% de plástico”? É difícil.

A marca indica que esta cápsula biodegradável não tem nem plástico nem alumínio na sua composição. Após análise do material de embalagem em laboratório verificámos que a alegação da marca está incorreta. As cápsulas são feitas com PLA (poliácido láctico), um tipo de plástico de origem vegetal (por exemplo: milho). A resposta do fabricante às questões da DECO PROTeste confirma que a alegação é feita “por comparação com as nossas anteriores cápsulas entendemos tratar-se de um produto ausente de plástico”. Esta justificação não tem sentido. Não é por o novo produto ter menos plástico que o anterior ou ter plástico de origem vegetal que deixa de ser plástico. Assim, a pedido da DECO PROTeste, o fabricante juntou-se aos restantes no compromisso de retirar as alegações da embalagem muito em breve.

A famosa marca de especiarias substituiu a tradicional embalagem de plástico por outra composta por papel e plástico. Esta alteração levantou algumas dúvidas, uma vez que a Margão passou de uma embalagem reciclável para uma nova que não é reciclável.

A marca afirma que a alteração das embalagens permite uma redução na pegada de carbono. E foi capaz de a explicar através dos métodos de cálculo de impacto ambiental utilizado.

O fabricante comunicou com transparência, não sendo por isso um exemplo de greenwashing. No entanto, e do ponto de vista da economia circular em que se pretende aumentar a reutilização e reciclagem de embalagens, será, de facto, a melhor solução?

As garrafas PET, que acondicionam a maioria das bebidas não-alcoólicas, são um clássico da reciclagem. A Sprite decidiu substituir as antigas garrafas em PET verdes translúcidas por outras com PET transparente. Alega que a mudança permite reciclar melhor. Apesar de não ser tecnicamente correto que uma embalagem transparente seja mais fácil de reciclar, a verdade é que, durante a reciclagem, uma garrafa transparente pode ser utilizada em mais produtos, e em produtos com maior valor acrescentado, que uma garrafa com cor translúcida. Assim, trata-se efetivamente de uma melhoria que merece ser partilhada.

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