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Resíduos elétricos e eletrónicos devem ser reciclados

Reduzir e reciclar

Especialistas

Resíduos elétricos
iStock

O que fazer a telemóveis que já não se usam, brinquedos velhos dos filhos, lâmpadas fundidas, ou simples torradeiras? O destino deles não é ficarem numa gaveta ou num armário, escondidos, à espera de solução. Tão-pouco deverão ser deitados no lixo comum.

Aparelhos elétricos e eletrónicos: uma fonte de resíduos

Os equipamentos elétricos e eletrónicos são, simplesmente, todos aqueles que se podem ligar a uma tomada de eletricidade ou que funcionam com uma pilha. Do simples ferro de engomar à máquina de lavar roupa, passando por telemóveis, computadores portáteis, brinquedos com pilha, fornos micro-ondas, relógios, todos pertencem a esta família.

Só esta definição seria suficiente para dar uma ideia da imensidão de resíduos potenciais que fazem parte da nossa vida. Mas os números dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE), calculados pelo Global E-Waste Monitor, um programa da ONU, poderão aclarar mais o tema: em 2019 foi gerado um recorde de 53,6 milhões de toneladas destes resíduos em todo o mundo, um acréscimo de 21% em apenas cinco anos. As previsões indicam que em 2030 se atinja 74 milhões de toneladas de REEE descartados, quase o dobro, em apenas 16 anos. Isto faz dos REEE o fluxo de resíduos de crescimento mais rápido do mundo, alimentado principalmente por maiores taxas de consumo destes equipamentos, ciclos de vida curtos, e poucas opções de reparação.

Junte-se a este cenário o fraco reaproveitamento destes equipamentos ao nível europeu – apenas 35% destes resíduos são recolhidos e enviados para reciclagem. Os restantes 65% são exportados, reciclados em condições não conformes ou ilegais. Ou ainda enviados para eliminação final juntamente com os resíduos comuns, ou mantidos em casa dos consumidores, mesmo que já não estejam a ser utilizados.

Materiais de grande valor

Estes equipamentos têm componentes valiosos: placas de circuito impresso, metais e materiais preciosos e raros, entre outros. Por isso, é valor real que se perde para este setor, na Europa, quando não são recolhidos e reciclados. Segundo dados europeus, é uma perda anual estimada entre os 800 milhões e os 1,7 mil milhões de euros. Além disso, cerca de 70% do total de REEE exportados eram produtos que ainda estavam a funcionar e que poderiam continuar a ser utilizados.

E porque referimos especificamente a Europa? Apesar de ser um dos maiores mercados do mundo para estes produtos, o Velho Continente não tem estas matérias-primas. Mais um argumento para a recolha e reciclagem destes resíduos – é valor que deixa de se perder e é menor a dependência dos europeus em relação a cadeias de produção e distribuição que não controlam. E que, além disso, estão em crise desde o início da pandemia, uma situação agravada pela recente guerra na Ucrânia.

Com uma gestão eficiente destes resíduos, poderíamos fabricar novos equipamentos, aproveitando os elementos dos usados.

Uma tonelada de cobre é suficiente para fabricar mais de 60 mil telemóveis.

O alumínio de um ferro de engomar é suficiente para produzir 13 latas de refrigerantes.

Uma tonelada de cádmio pode servir para o fabrico de cerca de 750 painéis fotovoltaicos.

A ação do consumidor é determinante

E o que podemos nós fazer, enquanto consumidores, no meio deste complexo fogo cruzado? Podemos dar um contributo. Mesmo que ele seja modesto, pode ditar tendências que façam os fabricantes alinhar-se para a revalorização destes materiais:

  • Não se desfaça dos velhos aparelhos abandonando-os junto aos contentores de lixo comum ou dos ecopontos. Serão considerados lixo abandonado na via pública a partir do momento em que são depositados em locais não autorizados. Para se desfazer de um eletrodoméstico ou aparelho ainda a funcionar, recorra a lojas de artigos em segunda mão. Também pode doá-lo a uma instituição de apoio social. Algumas fazem a recolha porta-a-porta.

  • Opte, sempre que possível, por eletrodomésticos mais duráveis e prefira a reparação à substituição. Mesmo após o fim da garantia, pode contactar o representante da marca para o reparar; nem sempre o orçamento é alto. Tem ainda a opção dos Repair Cafés, que funcionam em vários locais do País, em especial em Lisboa e no Porto: trata-se de espaços em que voluntários oferecem o seu tempo para fazer pequenas reparações. Em Lisboa, a Entrajuda (Banco de Bens Doados) é um exemplo de uma entidade que promove a reutilização de equipamentos elétricos usados desde 2008. São entregues a instituições de solidariedade: evita-se, assim, a morte prematura de equipamentos, colocando-os ao serviço de quem mais necessita e evitando impactos ambientais.

  • Caso o aparelho já não tenha recuperação possível, pode entregá-lo à loja onde comprou o novo (sem qualquer encargo adicional para si), num ecocentro, ou colocá-lo num dos pontos de recolha das entidades gestoras de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. Em Portugal, são três: o Electrão, a ERP Portugal e a E-Cycle.

  • Alguns supermercados e zonas comerciais disponibilizam também contentores para pequenos eletrodomésticos ou aparelhos eletrónicos. Pode consultar os locais de entrega em sniamb.apambiente.pt/ recolhareee.

Antes ainda de dar todos estes passos, não se desfaça logo de um aparelho que ainda esteja a funcionar. Parece haver uma tendência neste sentido. Um estudo da Universidade de Delft (Países Baixos) mostrou que, à medida que o desempenho de um dispositivo diminui, a fixação dos consumidores é também reduzida, diminuindo assim o desejo de o manter. Com base neste estudo, é possível enumerar algumas desculpas que os consumidores encontram para deitar fora estes produtos antes do tempo: "o meu aparelho já não funciona bem"; "parece gasto"; "está desatualizado"; "a garantia está desatualizada"; "não pode ser reparado, de qualquer forma". Os consumidores são influenciados pelo marketing, mas também lhes cabe mudar este paradigma.

O que acontece a estes resíduos depois da recolha?

Depois de entregues num local apropriado, os REEE são, geralmente, encaminhados para centros de receção ou consolidação, onde se faz uma triagem por tipologia de equipamentos. Os resíduos são então separados e devidamente acondicionados para serem enviados para tratamento. Antes desta etapa, os REEE são separados entre os que são considerados perigosos e os que têm perigosidade mais reduzida.

Nas unidades de tratamento e valorização, os REEE são despoluídos e separados nos vários materiais constituintes, para que originem outros produtos. É uma espécie de "cirurgia" que lhes promove um "renascimento" – um valor acrescentado que poderá dar novo impulso à meta a que todos desejamos chegar, a economia circular. Nada é lixo, tudo, ou quase tudo, pode ser uma nova matéria-prima.

Consumidores exigem

Várias falhas no sistema de recolha destes resíduos, que têm valor para serem reaproveitados, implicam ação urgente.

O principal problema da gestão e reciclagem do lixo eletrónico em Portugal, à semelhança de outros países europeus, será o facto de os equipamentos em fim de vida não irem parar aos sistemas oficiais de recolha e reciclagem.

Outros exemplos de falhas: nas compras online, que cresceram com a pandemia, há várias lojas que não estão a cumprir a legislação. A DECO PROTeste publicou resultados de um estudo em que foram analisadas 34 lojas online. Destas, 14 indicam não fazer a recolha de equipamentos usados quando o cliente pede, ou só a asseguram em certas zonas ou para alguns produtos.

Por outro lado, há consumidores que, por exemplo, compram um frigorifico novo, mas com o antigo ainda a funcionar... Ora, só o desligam quando o novo está instalado e, por isso, o antigo não é recolhido aquando da entrega, o que agrava a situação. Isto leva a que os consumidores tenham de recorrer à recolha dos monos, usualmente de responsabilidade camarária. Isso abre espaço a operadores ilegais, que fazem a sua recolha e, por vezes, até efetuam o desmantelamento ilegal na via pública.

Além disso, muitos consumidores não estão sensibilizados para colocar os equipamentos pequenos nos contentores dedicados a este tipo de resíduos. As entidades gestoras põem-nos à disposição na maioria das superfícies comerciais e grande retalho do País, em escolas, em corporações de bombeiros, ou em juntas de freguesia. Na verdade, muitos destes pequenos REEE são depositados no contentor dos resíduos indiferenciados, seguindo para o aterro sanitário ou incineração.

Por seu turno, as entidades governamentais terão falhas ao nível da inspeção dos operadores ilegais. Deve reforçar-se esta verificação. Devem fazer também mais na promoção da recolha dos equipamentos, por exemplo, obrigando à recolha efetiva na troca do velho por novo, nem que isso obrigue a um desfasamento entre a data de entrega do equipamento novo e da recolha do velho.

Do lado das entidades, as câmaras municipais ou os sistemas de gestão de resíduos urbanos, que são responsáveis pela recolha de monos, há um desconhecimento para a necessidade de recolha seletiva desta fileira de resíduos. E ainda dos problemas do manuseamento e desmantelamento ilegal, como, por exemplo, a libertação de gases perigosos para a atmosfera.

Por fim, as entidades gestoras de REEE (Electrão, ERP Portugal e E-Cycle) têm de melhorar o serviço de troca do velho por novo, e fazer a recolha cada vez mais próxima da origem.

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