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Resíduos urbanos: Portugal ainda longe de cumprir metas de reciclagem

Reduzir e reciclar
Pod Pensar ideias para consumir

Portugal está obrigado a cumprir a meta de 60% de reciclagem de resíduos urbanos até 2030. Mas, estamos em 2022, e o País está ainda longe dessa fasquia. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2021, cada cidadão em Portugal produziu cerca de 513 quilos de lixo, o que equivale a 1,4 quilos de resíduos por dia, 100 quilos a mais do que a meta definida para 2020 para a União Europeia.

Apertando a malha: em 2035, não poderemos depositar em aterro mais de 10% de tudo o que deitarmos fora. Atualmente, mais de metade do lixo produzido em Portugal segue para aterro.

Que desafios se colocam à gestão de resíduos em Portugal? Que destino dar a todo o lixo que produzirmos nos próximos anos? E afinal o que é – ou o que deve ser – uma política nacional de resíduos?

Foi o que Aurélio Gomes perguntou a Ana Isabel Trigo Morais, Administradora Delegada na Sociedade Ponto Verde; a Pedro Nazareth, CEO da Electrão, Associação de Gestão de Resíduos; e ainda a Elsa Agante, responsável pela área de energia e sustentabilidade da DECO PROTeste, em mais um episódio do podcast POD Pensar. O mote foram os famosos três “R” da sustentabilidade e dos hábitos de consumo – reduzir, reutilizar e reciclar –, que se mantêm mais atuais do que nunca na agenda verde do planeta, e a Semana Europeia da Prevenção de Resíduos, que se assinala em novembro.

Reciclagem: o antes e depois do anúncio do chimpanzé Gervásio

Ficou famoso, há mais de 20 anos, o anúncio da Sociedade Ponto Verde em que um chimpanzé – o Gervásio – mostrava que não era assim tão difícil aprender a reciclar. O anúncio terminava com a provocação que terá mudado mentalidades: "O Gervásio demorou exatamente uma hora e 12 minutos a separar as embalagens usadas. E você, de quanto tempo mais é que precisa?" Há um antes e depois deste anúncio no que diz respeito à reciclagem em Portugal, comentou Ana Isabel Trigo Morais: “O Gervásio foi um verdadeiro influenciador dos anos 90. Mostrou que a reciclagem das embalagens não tem de ser um esforço. Desde que os hábitos estejam interiorizados, faz-se com facilidade.”

O anúncio foi um sucesso. E há números a prová-lo, afirmou a responsável, destacando os 70% de portugueses que já praticam a separação das embalagens em casa para as levarem para os 70 mil ecopontos que nasceram em Portugal “depois do Gervásio”.

Mas há ainda um longo caminho a percorrer, reconheceu Ana Isabel Trigo Morais: “Somos um país que não cumpre a sua meta de reciclagem de resíduos urbanos”.

Um lamento e uma crítica que Pedro Nazareth afunila no sistema de tratamento dos resíduos elétricos e eletrónicos: “Estou ainda profundamente insatisfeito com os resultados.” E aí estão os números do descontentamento, segundo a Associação ZERO e WEEE Fórum, de que o Electrão faz parte.

  • Em 2020, menos de um terço dos frigoríficos velhos foi eliminado corretamente, o que levou a que fossem libertadas 78,6 toneladas dos gases de refrigeração (o equivalente a 226 mil toneladas de dióxido de carbono).

  • Estima-se que em 2022 cerca de 5300 milhões de telemóveis acabem no lixo.

  • Cerca de 24,5 milhões de toneladas de pequenos dispositivos eletrónicos ficarão inutilizados em 2022, sendo que muitos destes aparelhos acabam por ficar acumulados em casa ou não são devidamente encaminhados para os pontos de reciclagem adequados.

Prevenção e reciclagem de resíduos urbanos: setor carente de investimento

“Já esgotámos o modelo de boa vontade do consumidor para ir ao ecoponto. Já não nos tira de onde estamos” em matéria de metas de reciclagem, afirmou Pedro Nazareth. É preciso ir mais longe e mais rápido. “Mas há que fazer bem as contas”, sublinhou. Para a implementação, por exemplo, do Sistema de Depósito e Retorno (SDR), um sistema de incentivo à devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis, são necessários 100 milhões de euros ao ano, “e estamos a falar de uma parte pequena dos resíduos”, explicou o responsável, para concluir: “Este é um setor carente de investimento, mas há decisões que têm de ser tomadas, e num curto espaço de tempo.” Há um admirável mundo novo para lá do caixote do lixo a que importa dar valor, sublinhou Pedro Nazareth. Precisamente por o lixo ter muito valor, acrescentou Ana Isabel Trigo Morais.

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É urgente desindexar a tarifa de resíduos do consumo de água

Uma das parcelas da fatura da água é a tarifa de resíduos, calculada com base no consumo de água, e que aumenta à medida que sobe o gasto de água. Os três responsáveis concordam que este modelo de cobrança é injusto e inadequado, e que é tempo de desindexar a tarifa de resíduos do consumo de água.

Assim será até 2026, com o Regime Geral de Gestão de Resíduos, aprovado no final de 2021: os municípios vão ser obrigados a separar a fatura dos resíduos do consumo de água. A cobrança dos resíduos indexada ao consumo da água não recompensa o consumidor que faz a separação dos resíduos domésticos, nem apela à reciclagem. A DECO PROTeste defende, por isso, o chamado sistema pay as you throw (PAYT), ou pague pelo que deita fora, em que só é taxado o lixo que se produz e que não se recicla. Quanto menos resíduos indiferenciados o consumidor gerar, menos paga. E deixa de estar sujeito a uma tarifa de resíduos associada ao consumo mensal de água.

Seis municípios no continente - Guimarães, Cantanhede, Maia, Moura, Serpa e Mértola - já puseram o sistema em marcha em determinadas zonas, ensaiando assim a transição para um sistema em que a tarifa de resíduos traduz aquilo que se separa para reciclar em casa. A cobrança é feita sobre os resíduos indiferenciados (os que não foram depositados para reciclar) que se produzem. Separando, diminui-se a produção deste lixo, logo paga-se menos. Mas o contributo ambiental é grande.

Aos três “R” da sustentabilidade, DECO PROTeste junta mais dois

Há uma hierarquia dos três “R” da sustentabilidade, explicou Elsa Agante. Primeiro reduzir, depois reutilizar e, por último, reciclar. Mas a DECO PROTeste junta-lhes mais dois, que devem vir antes até. “Repensar”, enumera a responsável, apelando a que, antes de iniciarem a compra de um determinado produto, os consumidores perguntem a si próprios se precisam mesmo dele; e “redesenhar” produtos mais amigos da reciclagem, ou seja, produtos que, em final de vida, possam ser recicláveis – evitar a mistura de materiais, por exemplo, que torna inviável, muitas vezes, a reciclagem - e não tenham de ir parar ao aterro.

“Não queremos que as pessoas deixem de consumidor, mas antes que façam melhores escolhas e escolhas mais informadas, optando por produtos mais sustentáveis”, resumiu Elsa Agante.

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