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Racismo em Portugal

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Em Portugal, as ações violentas em contexto de racismo, assim como a difamação, injúria, ameaça ou incitação à violência e ao ódio, configuram crime conforme o Código Penal Português, punível com pena de seis meses a cinco anos de prisão, o mesmo se aplicando a outras formas de discriminação, como a xenofobia.[1]

Segundo relatório da União Europeia, de 2018, entre 12 países europeus analisados, Portugal foi o país que apresentou as menores taxas de violência e de vitimização motivadas por racismo.[2][3] No mesmo ano, o primeiro após a ratificação do Protocolo n.º 12 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, os crimes por discriminação étnica ou racial constituíram 38% das denúncias por discriminação, seguidas de 22,3% com base na nacionalidade, e 21,8% de discriminação pela cor da pele. A expressão mais referida nas queixas apresentadas foi "etnia cigana", compreendendo 32% das queixas.[4]

Desde a década de 1980 que Portugal assiste a uma vaga migratória para o seu território, principalmente de África, da América do Sul e da Europa de Leste. Devido a alguma mão de obra barata e, ou ilegal, há uma tendência para generalizar e associar as populações de imigrantes à criminalidade.[5] Segundo um estudo, os negros e os ciganos são as maiores vítimas do racismo em Portugal.[6]

Lei portuguesa

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A Constituição da República Portuguesa estabelece a igualdade de direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos: "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual."[1]

Em 2017, Portugal ratificou o Protocolo n.º 12 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, incluindo na lei uma proibição global da discriminação, e reforçando a legislação já existente contra os crimes de ódio. Do mesmo modo, o Alto Comissariado para as Migrações obteve poderes de investigação, e as competências da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial foram alargadas. O Código Penal Português prevê atualmente uma pena entre seis meses e cinco anos de prisão relativa à execução de ações violentas em contexto de racismo, assim como a difamação, injúria, ameaça ou incitação à violência e ao ódio, o mesmo se aplicando a outras formas de discriminação, como a xenofobia. Para que haja procedimento criminal, basta que qualquer pessoa denuncie o crime, ou que o Ministério Público dele tome conhecimento.[1]

Legislação sobre racismo no desporto

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Caso ocorram ações durante eventos desportivos, como jogos de futebol, a infração pode ser registada e punida com multa entre mil e dez mil euros. Além disso, dependendo da gravidade da situação, pode ainda ser determinada a proibição de entrada em locais desportivos por um período de até dois anos.[1]

A 20 de outubro de 2022, o Governo português aprovou em Conselho de Ministros, a proposta de Lei que estabelece o regime jurídico de segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, alterando a Lei n.º 39/2009. As alterações envolvem 14 grandes medidas, simplificando os requisitos dos regulamentos de segurança para instalações desportivas não especiais, correspondentes a cerca de 90% das instalações do País. Foi instituída a figura do Gestor de Segurança, representante do promotor do espetáculo desportivo, responsável por assumir a proteção e segurança dos espectadores. Passa igualmente a ser permitido que em determinadas circunstâncias passe a ser possível responsabilizar os clubes pelo comportamento dos adeptos na situação de visitantes, prevendo também que as eventuais medidas de interdição passem ser aplicadas a todas as modalidades e não apenas à modalidade relacionada com o ato da infração. Os organizadores das competições passam a estar obrigados a incluir nos seus regulamentos sanções disciplinares associadas à prática dos atos de promoção ou incitamento ao racismo, xenofobia ou intolerância nos espetáculos desportivos.Foi ainda tipificada a promoção da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância ou do ódio, permitindo à Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto sancionar estes comportamentos, prevendo que os recintos desportivos de competições profissionais ou não profissionais consideradas de risco elevado passem a ter de garantir lugares para pessoas de mobilidade reduzida nos setores visitados e visitante.[7]

Grupos étnicos

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Povo brasileiro

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Os brasileiros são a nacionalidade que mais reclama de discriminação em Portugal.[8] Segundo pesquisa de 2009, 44% dos 64 mil brasileiros que residiam legalmente em Portugal teriam sofrido algum tipo de discriminação nos últimos 12 meses.[9][10]

Segundo pesquisa de 2007, 71,9% dos brasileiros que vivem em Portugal relataram ter presenciado preconceito contra brasileiros no país. 45,3% disseram haver "bastante" preconceito contra brasileiros e 26,6% disseram haver "algum". Apenas 19,3% afirmaram não haver "nenhum". 34,5% dos brasileiros entrevistados afirmaram que eles próprios foram vítimas de preconceito por parte de portugueses e 65,3% disseram que nunca o foram. Entre os que sofreram preconceito, relatam-se maiores dificuldades em conseguir comprar ou alugar um imóvel, insultos no ambiente de trabalho e tratamento diferenciado quando começam a falar e percebem o sotaque brasileiro.[11][12] As mulheres brasileiras são as que mais reclamam de preconceito em Portugal, pois há uma associação entre mulher brasileira e a prostituição no país.[13][14][15] Segundo um estudo, tem havido um processo de "racialização" da mulher brasileira em Portugal, no qual se lhe atribui estereótipos biológicos (corpo exuberante, beleza) e comportamentais (falta de pudor, disponibilidade sexual).[16]

Quase 70% dos portugueses acham que os brasileiros têm contribuído para a prostituição em Portugal, embora a maioria das mulheres brasileiras que moram no país estejam empregadas nos setores do comércio, das limpezas e da hotelaria. 52,8% acham que, em geral, os brasileiros não são bem educados; não são bons profissionais (68,7%), competentes e cumpridores (70%) nem tampouco sérios e honestos (74,3%). Por outro lado, 74,7% dos portugueses acham os brasileiros alegres e bem dispostos; simpáticos e de trato fácil (63,2%)[17]

O racismo contra brasileiros em Portugal não é diretamente ligado à cor da pele ou à etnia, pois os estereótipos atingem inclusive quem é filho de português.[11][18] Há, portanto, um processo de "racialização" do brasileiro em Portugal, não ligado à ideia de cor da pele ou ancestralidade, mas à da nacionalidade, no qual a mulher brasileira é vista como uma prostituta e o homem brasileiro como um ladrão.[nota 1][20]

Povo africano

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Manifestação anti-racista com cartazes acerca do assassínio de Bruno Candé, vítima de crime de ódio.

Mais do que a nacionalidade, é a cor da pele de africanos provenientes da África Subsariana o principal componente para a discriminação. Segundo a ONU, há um racismo "subtil" em Portugal. Os africanos e descendentes encontram-se sub-representados nos processos de tomada de decisão política e institucional. O seu acesso à educação, aos serviços públicos e ao emprego é limitado. Uma das críticas da ONU reside no facto de que, em Portugal, a história do passado colonial é contada de forma "inexata" nas escolas e tem-se a ideia de que "o racismo não é um problema em Portugal".[21]

Alguns dos casos mais mediáticos de racismo em Portugal aconteceram contra as comunidades afro-descentes, tais como o assassinato de Bruno Candé, assassinato de Alcino Monteiro ou o caso de Claudia Simões.[22][23]

Estão também amplamente documentadas práticas racistas de lojistas e proprietários do pequeno comércio em relação a indivíduos de etnia cigana.[24] Segundo os antropólogos José Bastos, Susana Bastos e Fátima Morão, "os ciganos portugueses permanecem com a mais grave e escandalosa de todas as situações de racismo e xenofobia".[25] De acordo com o antropólogo José Pereira Bastos, "mais de 80% dos portugueses têm atitudes racistas com ciganos".[26] Os ciganos são particularmente associados à criminalidade em Portugal.[27]

A 6 de outubro de 2023, Rondão de Almeida, autarca eleito de Elvas, numa cerimonia de lançamento da Estratégia Local de Habitação de Elvas disse, após ser acusado pela oposição de apresentar 60 fogos para a população cigana: «Meus caros amigos, se o pessoal da etnia cigana for capaz de apresentar um contrato de trabalho e, nesse contrato de trabalho, se verificar que tem rendimentos para poder pagar uma renda acessível, estaremos abertos. Duvido é que apareça alguém, neste caso da etnia, com contrato de trabalho para poder ir para aquilo que hoje vai ser inaugurado».[28] Nesta cerimonia estava também presente a Ministra da Habitação à data, Mariana Gonçalves, que não interferiu nem contestou as palavras do autarca. As associações ciganas e o SOS Racismo acusaram o autarca de reforçar também o estereótipo de que os ciganos não trabalham. [29]

Estima-se que a comunidade cigana seja a mais segregada em Portugal. Em 2011, escolas públicas, de três agrupamentos diferentes, da cidade de Beja recusaram-se a dar aulas a cerca de 70 crianças de etnia cigana do Bairro das Pedreiras.[30] No ano letivo anterior, as crianças foram obrigadas a ter aulas no quartel militar. [31]

Crescimento de ideologias racistas

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Tem-se observado, concomitantemente com o aumento da imigração em Portugal, a um considerável crescimento de crenças de teor racista.[32] Em 2021, a comunidade africana é uma das mais afetadas pela discriminação que se encontra em franco crescimento.[33][34] Entre os motivos de tal aumento está a possível correlação entre o incremento da criminalidade geral e a imigração, assim como o medo de mudança cultural e demográfica, caracterizado pelo receio do aumento do número de imigrantes não-europeus em detrimento dos nativos.[35][36][37]

Notas

  1. "(...)Embora Gina seja representada como uma mulher loira, ela é atravessada por um processo de racialização que a transforma em uma mulata sensual e erótica. Aqui, não é a cor da pele que confere a condição de mulata, mas sim a nacionalidade brasileira cruzada com o discurso colonial, que, simultaneamente, contribuem para a hipersexualização da personagem (Gomes, 2011; Piscitelli, 2008)".[19]

Referências

  1. a b c d «Crime de racismo dá pena de prisão e multa». DECO PROTESTE. Consultado em 3 de abril de 2023 
  2. «Portugal é o país da União Europeia com a mais baixa taxa de violência motivada pelo racismo». Visão. 28 de novembro de 2018. Consultado em 12 de dezembro de 2018 
  3. «Finlândia é o país com mais casos de racismo da Europa, e Portugal, o que tem menos». O Globo. 28 de novembro de 2018. Consultado em 12 de dezembro de 2018 
  4. Henriques, Joana Gorjão (23 de agosto de 2018). «Queixas de racismo e xenofobia batem recordes em Portugal». PÚBLICO. Consultado em 3 de abril de 2023 
  5. «Estudo OI: A Criminalidade de Estrangeiros em Portugal». Observatório da Imigração. Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. 2005. Consultado em 21 de abril de 2008. Arquivado do original em 18 de fevereiro de 2008 
  6. «Discursos do racismo em Portugal» (PDF). Observatório da Imigração. Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Março de 2011. Consultado em 5 de junho de 2015. Arquivado do original (PDF) em 23 de abril de 2015 
  7. «Governo aprova pacote legislativo para prevenção e combate à violência no Desporto». portugal.gov.pt. 20 de outubro de 2022. Consultado em 3 de abril de 2023 
  8. «Brasileiros lideram queixas em Portugal». Gazeta do Povo. 22 de março de 2007. Consultado em 5 de junho de 2015 
  9. Márcia Bizzotto (23 de abril de 2009). «Estudo mostra discriminação contra brasileiros em Portugal». Terra. Consultado em 5 de junho de 2015 
  10. Eduardo Vanini (11 de janeiro de 2014). «"Brasileiros e pretos deviam morrer": Alunos da Universidade de Coimbra fazem campanha contra xenofobia». Portal Geledés. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 1 de julho de 2015 
  11. a b Fernando Moura (10 de junho de 2008). «Mulheres brasileiras em Portugal sofrem com a discriminação e têm dificuldade para alugar apartamento». UOL. Consultado em 5 de junho de 2015 
  12. Céu Neves (22 de abril de 2009). «Imigrantes denunciam racismo para arranjar casa». Diário de Notícias. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 28 de janeiro de 2012 
  13. «Manifesto em repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal». In Other W.O.R.D.S. - Web Observatory & Review for Discrimination. 2012. Consultado em 5 de junho de 2015. Arquivado do original em 17 de dezembro de 2013 
  14. «Preconceito na TV contra brasileiras provoca protesto em Portugal». Comunidade News. 23 de novembro de 2011. Consultado em 5 de junho de 2015. Arquivado do original em 19 de setembro de 2015 
  15. «O combate ao preconceito contra as brasileiras em Portugal». Viomundo. 20 de setembro de 2011. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 20 de setembro de 2015 
  16. Padilla, Beatriz; Gomes, Mariana Selister. RACISMO CONTRA AS MULHERES BRASILEIRAS EM PORTUGAL? ALGUMAS REFLEXÕES. (PDF). VII Congresso Português de Sociologia. Associação Portuguesa de Sociologia. Consultado em 6 de junho de 2015 
  17. «IMIGRAÇÃO BRASILEIRA EM PORTUGAL» (PDF). Observatório da Imigração. Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Consultado em 5 de junho de 2015 [ligação inativa] 
  18. «Brasileiros mais discriminados». Diário de Notícias. 8 de março de 2010. Consultado em 5 de junho de 2015 
  19. Thais França (2012). E-Cadernos CES, ed. «Entre reflexões e práticas: feminismos e militância nos estudos migratórios». doi:10.4000/eces.1527. Consultado em 5 de maio de 2015 
  20. Ricardo Dias Felner (2 de novembro de 2003). «"Brasileiras são prostitutas, brasileiros são ladrões"». Público. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 9 de outubro de 2015 
  21. Clara Viana (8 de novembro de 2009). «O preconceito contra os imigrantes ainda é lei entre os portugueses». Público. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 9 de outubro de 2015 
  22. «Tribunal de Sintra absolve polícia de agressões a Cláudia Simões». SIC Notícias. 1 de julho de 2024. Consultado em 21 de julho de 2024 
  23. Renascença (27 de julho de 2020). «De Alcindo Monteiro a Bruno Candé. Crimes contra as "vidas negras" em Portugal - Renascença». Rádio Renascença. Consultado em 21 de julho de 2024 
  24. Carlos Dias (19 de novembro de 2010). «Lojas em Beja usam sapos de barro para afastar ciganos». Público. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 9 de outubro de 2015 
  25. «Ciganos em Portugal, a origem do preconceito e da discriminação». ADC Moura. 27 de março de 2015. Consultado em 5 de junho de 2015. Cópia arquivada em 25 de setembro de 2015 
  26. «Mais de 80% dos portugueses têm atitudes racistas com ciganos». TVI24. 8 de setembro de 2010. Consultado em 5 de junho de 2015. Arquivado do original em 9 de outubro de 2015 
  27. Gomes, Sílvia Andreia da Mota (Julho de 2011). «Crime na Imprensa: representações sobre imigrantes e ciganos em Portugal». Universidade do Minho. Centro de Investigação em Ciências Sociais. ComTextos. ISSN 2182-7672. Consultado em 5 de junho de 2015 
  28. «"Ciganofobia em Portugal". Associações ciganas apresentam queixa contra presidente da Câmara de Elvas». CNN Portugal. Consultado em 21 de julho de 2024 
  29. Renascença (17 de outubro de 2023). «Autarca de Elvas rejeita acusações de discriminação contra ciganos - Renascença». Rádio Renascença. Consultado em 21 de julho de 2024 
  30. Dias, Carlos (12 de julho de 2011). «Escolas de Beja recusam receber 70 crianças de etnia cigana». PÚBLICO. Consultado em 21 de julho de 2024 
  31. «Crianças de etnia cigana do Bairro das Pedreiras "distribuídas" pelas escolas de Beja - Correio Alentejo». 13 de julho de 2011. Consultado em 21 de julho de 2024 
  32. «Discriminação e preconceito cresceram em Portugal em 2020». SIC Notícias. 10 de dezembro de 2020. Consultado em 1 de abril de 2023 
  33. Giuliana Miranda (9 de agosto de 2022). «Queixas de discriminação contra brasileiros crescem em Portugal, em meio a queda geral». Folha de São Paulo. Consultado em 1 de abril de 2023 
  34. Fernanda Câncio (18 de outubro de 2017). «"Em Portugal não gostam de pessoas mais escuras"». Público. Consultado em 1 de abril de 2023 
  35. «Em 2022, a criminalidade violenta e grave subiu 14,4% em Portugal». Expresso. Lusa. 27 de março de 2023. Consultado em 1 de abril de 2023 
  36. Gian Amato (21 de abril de 2021). «Portugal tem maior número de brasileiros presos na Europa. Total mundial sobe 39%». O Globo. Consultado em 1 de abril de 2023 
  37. Hélder Gomes (18 de junho de 2022). «Ventura defende conspiração que tem inspirado massacres». Expresso. Consultado em 1 de abril de 2023 

Ligações externas

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