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Portugal deita fora muito lixo de valor

Reduzir e reciclar

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Resíduos sólidos
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Instituições e cidadãos têm um papel a cumprir no aumento dos números da reciclagem e da compostagem. Mais ecopontos próximos das habitações, para mais recolha seletiva, é o que se pede a uns, enquanto os outros são desafiados a separar os resíduos e a depositá-los nos contentores certos. A missão é reduzir a presença de materiais recicláveis no contentor do lixo indiferenciado e melhorar a sua reciclagem, e os números mostram que há muito por onde cortar no que vai caixote abaixo. Quem quiser elevar a fasquia da redução de resíduos, em vez de descartar equipamentos em bom estado, pode trocar, reutilizar, recusar ou doar, todos eles verbos a conjugar em nome do planeta Terra.

Apenas pouco mais de um em cinco quilos é valorizado

De 1,4 quilos em 1,4 quilos diários por cada português, se chegou aos 5,3 milhões de toneladas de lixo doméstico produzido em 2021. Os municípios, ou empresas especializadas em substituição, asseguram a recolha dos resíduos, indiferenciados ou seletivos. E há boas notícias: o número de ecopontos cresceu 38% entre 2017 e 2021. Mas o incremento ainda não é suficiente para fazer descolar os números da recolha seletiva. A Agência Portuguesa do Ambiente diz-nos que, em 2019, de todas as toneladas de lixo doméstico, só uma pequena fatia, de 19%, correspondeu a recolha seletiva. Em 2021, os 21% evidenciavam uma subida discreta. De forma intuitiva: nos últimos anos, apenas 1,4 em cada cinco quilos de lixo têm sido valorizados, por reciclagem ou compostagem. Ou seja, o desempenho de Portugal está nos 28 por cento.

Mas este não é um problema exclusivamente nacional. Os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), publicados já em 2023, mas referentes a 2021, revelam uma média de 34% para os 38 membros. A conclusão não requer grande esforço intelectual: as instituições e os consumidores, tanto em Portugal, como nos países nossos companheiros na OCDE, podem fazer bem melhor. Quer ver?

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, em 2021, sensivelmente 45% de tudo o que foi no nosso saco do lixo correspondeu a resíduos orgânicos, como restos de comida e cascas de frutas e legumes – que poderiam ter tido a compostagem como destino. E quase 22% eram papel, cartão, plástico e vidro, cujo lugar é no ecoponto, separados por família. Só aqui, num cálculo rápido, somamos quase sete em dez quilos de tudo o que deitámos fora, que poderiam ter sido resgatados. Mais uma conclusão óbvia: estamos a deitar ao lixo muito lixo valioso.

Serviço com boa acessibilidade apenas nas regiões urbanas

Não basta, contudo, dizer que é possível fazer melhor: há que apontar o dedo ao que pode ser aperfeiçoado. Ora, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) publica anualmente os dados da qualidade do serviço que é prestado nos 278 municípios do Continente. O diagnóstico de 2021 revela que o número de ecopontos, ainda que esteja a crescer, não é suficiente para servir todas as regiões, respeitando critérios de proximidade face às habitações. Já fomos o país dos multibancos, com caixas automáticos praticamente em cada esquina. A DECO PROTeste não propõe trocar o paradigma para os contentores de recolha seletiva, mas é certo que a proximidade pode catalisar os números da reciclagem.

Em termos genéricos, o acesso ao serviço é considerado bom nas regiões urbanas, mas apenas razoável em zonas de menor densidade populacional. Os 69 municípios mais necessitados de ecopontos, para recolha de vidro, metal, cartão e plástico, localizam-se no Minho, no Douro Litoral, em Trás-os-Montes, na Beira Litoral e no baixo Vale do Tejo.

Cidadãos sem contentores para resíduos orgânicos

Os contentores para depositar resíduos orgânicos são menos frequentes ainda, o que condena à irracionalidade do desperdício muita matéria orgânica. Recorde-se que quase metade do caixote do lixo – 45% – ainda se faz destes detritos. Na prática, todos os dias se perde uma boa oportunidade para obter retorno económico a partir de um composto com elevado valor, por exemplo, para a agricultura. E a ponderação é de fácil alcance. Se as entidades responsáveis investirem na recolha seletiva de resíduos orgânicos e no seu tratamento, em vez de pagarem 25 euros por cada tonelada que vai para aterro, poderão recuperar custos com a venda do composto.

Para mudar o paradigma, há que começar, claro, pelo princípio: prever contentores em cada concelho. E esta é uma revolução que está para breve. Os municípios têm até 31 de dezembro de 2023 para implementarem o sistema de recolha seletiva. Não é sustentável continuar a deitar dinheiro à rua, descartando os resíduos orgânicos no lixo indiferenciado. Até porque sai caro às entidades, que têm de pagar pelas toneladas depositadas em aterro, e que perdem uma matéria-prima com valor económico.

Recolha de lixo indiferenciado também deixa a desejar

Mesmo o serviço mais básico, que é a recolha do lixo indiferenciado, porta a porta ou nas imediações das zonas habitacionais, evidencia falhas na acessibilidade em alguns municípios, sobretudo situados no Minho, no Douro Litoral, no Baixo Alentejo e no Barlavento Algarvio. Assim atesta o relatório da ERSAR.

Contentores com pouca higiene

O asseio dos contentores, em especial, dos ecopontos, é também posto em causa pelo regulador. A lavagem, que nem sempre é da responsabilidade das entidades que fazem o tratamento dos resíduos, está longe de ser a regra, o que pode desmotivar o uso dos cidadãos, por falta de condições de salubridade. Com base nos dados da ERSAR, em 209 dos 278 municípios do território continental, a média foi inferior a meia lavagem por ano...

Uma palavra ainda para o preço dos serviços, que o regulador estimava em 2021 ser acessível em todo o País. À luz da atual conjuntura, de redução do rendimento médio das famílias, há que prestar especial atenção a atualizações tarifárias. É preciso garantir a acessibilidade económica e a efetiva aplicação do tarifário social a famílias em situação de carência.

Portugal precisa de ecopontos

E que orientações podemos retirar do diagnóstico da ERSAR? Não parece haver dúvidas de que Portugal necessita de mais ecopontos, próximos das populações e com salubridade garantida. Facultadas estas infraestruturas, os consumidores têm melhores condições para darem o seu contributo ao sistema. Ao depositarem todos os resíduos recicláveis nos contentores adequados, garantem que aqueles alcançam maior qualidade e maior valor de venda como matéria-prima e, logo, envolvem menor impacto nos custos de triagem.

Entidades e consumidores, em conjunto, conseguirão tornar o serviço de recolha e tratamento mais racional e sustentável, com menos custos, por ser possível recuperar matérias-primas com valor. Mas não há que esquecer os impactos ambientais positivos desta aliança, decorrentes da diminuição do volume de resíduos enviados para aterro e da menor extração de matérias-primas e recursos naturais, destinados a fabricar novos objetos ou composto para a agricultura.

A meta, vale a pena recordá-lo, é deixar no caixote do lixo apenas o que não é possível valorizar. Mas esta só estará completa com a introdução universal do sistema pay as you throw (PAYT). A ideia subjacente é simples. Paga mais quem mais resíduos deita fora no lixo indiferenciado, beneficia na fatura mensal quem separa para reciclagem. Há um correlato: a tarifa aplicada ao tratamento dos resíduos deixa de estar indexada ao consumo de água. Esta é outra revolução com data marcada. Até 1 de julho de 2026, o sistema PAYT deve ser adotado em todo o País.

Reclamar melhor serviço é uma arma

Existe outra forma de pressionar para que o serviço melhore: reclamar. Mas, apesar das falhas no serviço diagnosticadas pela ERSAR, os números do relatório não são por aí além expressivos. Das mais de 200 entidades contactadas pelo regulador, 12 nada indicaram sobre reclamações e 53 referiram não terem recebido queixa alguma em 2021. As contempladas com reclamações ou sugestões dos cidadãos foram 195, das quais 42% receberam menos de dez.

Os motivos deste vazio prendem-se, quiçá, com conformismo – o habitual "não vale a pena". Mas, sem denúncia, mais dificilmente os problemas serão resolvidos. Assim sendo, o ecoponto está demasiado sujo e cheio, e perfuma o ambiente com um indisfarçável odor a lixo? Alerte a entidade responsável. Na maioria dos municípios, a recolha e a lavagem incumbem às empresas que tratam os resíduos. Mas, mesmo que não seja o caso, peça informações junto dessas entidades, que devem vir indicadas na fatura mensal, ou veja se, no contentor, existe um contacto para denunciar.

Saiba, no entanto, que são consideradas apenas as reclamações endereçadas na forma escrita. Seja conciso e objetivo na redação e, se possível, junte elementos de prova das suas alegações, como fotografias. Mas não deixe de fazer valer o seu ponto de vista. Consumidor exigente, serviço aprimorado.

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