Geração 70

“A minha professora de História marcou-me profundamente. Hoje os meus filhos têm professores que já os marcaram - e isto é bonito”

Nelson é o mais velho dos irmãos Rosado, conhecidos pelo nome artístico "Anjos". Com êxitos como "Ficarei", "Perdoa" ou “Quero Voltar”, o país passou a conhecê-los através da rádio e da televisão. Oiça aqui a entrevista de Bernardo Ferrão ao cantor, nascido em fevereiro de 1976, no podcast Geração 70

Bernardo Ferrão

Bernardo Ferrão

Diretor Adjunto da SIC

“A minha professora de História marcou-me profundamente. Hoje os meus filhos têm professores que já os marcaram - e isto é bonito”

Gustavo Carvalho

Sonoplastia

João Ribeiro

Sonoplastia

"No final da década de 80 a comunidade da Margem Sul era muito trabalhadora, tradicional, mas debatia-se com problemas de droga. Assisti a filhos mais velhos do que eu que passaram por flagelos incríveis. Muitas famílias bem estruturadas, com boas condições de vida, foram destruídas", recorda Nelson Rosado, numa conversa em que revela como foi crescer na Margem Sul, nos anos 70 e 80, zona onde ainda hoje vive.

O cantor nasceu em fevereiro de 1976 e desde muito novo que tem uma relação especial com a música e o mundo do espetáculo.

Matilde Fieschi

O artista sente-se privilegiado por ter crescido numa família estruturada, com origens humildes. Em casa, não debatiam política, mas eram uma família mais à esquerda.

“O meu avô Paulino, do Alentejo, era um fervoroso apoiante do partido Socialista. O meu pai cresceu a ouvir Álvaro Cunhal, nessa altura votava CDU. Crescemos neste ambiente mais à esquerda, mas na evolução das nossas vidas, ao perceber as ideologias veio uma desilusão, porque às vezes o que se apregoa não se pratica. Não só com o comunismo.”

Nelson relembra as contestações sociais que eram tema de conversa na escola.

"Lembro-me bem das manifestações no tempo de Cavaco Silva. Cheguei a ir até à Assembleia da República, numa grande manifestação estudantil, por causa da Prova Geral de Acesso. Toda a gente se manifestou, não fomos repreendidos pela polícia porque todos souberam comportar-se", afirma o mais velho dos irmãos Rosado.

Matilde Fieschi

O músico acredita que “a partir do momento que hoje vivemos vai tornar-se muito mais complicado os músicos meterem-se na política, até aqui não foi tão complicado quanto isso”.

Nelson não teve receio de se envolver na política e afirma que apoiou “políticos de esquerda e de direita”. “Cheguei a apoiar projetos da CDU, do PS e do PSD. Porque efetivamente conheces as pessoas e sabes a ideia do projeto, nas autárquicas votas pelas pessoas”, salienta.

Quanto ao desaparecimento dos partidos de esquerda e consequente crescimento do Chega nas zonas que frequenta, Nelson Rosado aponta uma análise. “Comecei a perceber o fenómeno do crescimento do Chega mais cedo, porque faço parte das conversas de café, tenho um refúgio no Alto Alentejo, no concelho do Alandroal. Comecei a sentir um descontentamento agudo com problemas fundamentais, como a agricultura. E de repente pessoas de quadrantes políticos completamente opostos alinhavam naquele discurso. Foi como jogar um fósforo para um palheiro", esclarece.

O músico dá ainda um exemplo que nota no dia-a-dia. "Em Paio Pires há uma forte tradição taurina e começou a haver uma forma do politicamente correto a ressurgir com mais força, passando por cima de tentarmos compreender os que cá estavam, reeducando-os. Acredito que é possível reeducar, vejo o copo meio cheio, e desta forma podermos todos conviver de uma forma sã. Partidos como Chega e outros, perceberam que existe uma forte componente tradicional em grande parte da população. Portugal não é só Porto e Lisboa, é essencialmente o interior. É muito rural ainda, tentamos por vezes ser mais urbanos do que somos, mas se o interior nos fechasse as portas íamos passar mal nos centros urbanos. Eu tentava meter água na fervura, sempre. Há coisas que têm de ser mudadas, mas não de forma radical. E o que estamos a assistir é ao radical à direita e à esquerda."

Matilde Fieschi

O pai tocava acordeão e a mãe cantava fado em festas. Ele e o irmão pisaram cedo o palco, sempre juntos, a cantar aos fins de semana. Mais tarde integraram a banda "Sétimo Céu", mas foi sol de pouca dura. Bateram com a porta e formaram os "Anjos".

“A indústria da música na altura dos Anjos era como a loucura o mercado de transferências de futebol, sem os mesmos valores. Criámos os Anjos escondidos na aldeia, em Aljustrel, para estruturarmos o projeto, a recebermos muitos contactos de produtoras”, recorda.

No entanto, apesar do sucesso da banda, Nelson Rosado reitera que nem tudo foi um mar de rosas. "Algumas rádios nacionais tinham relutância em passar "Anjos", mas cada vez há menos complexos com a música pop portuguesa. Na altura, cantar em português era uma dificuldade, e fomos dos poucos naquele boom do nosso género musical a fazê-lo"



Matilde Fieschi

No ano em que celebram 25 anos de carreira, os “Anjos” vão subir ao palco da MEO Arena, no dia 28 de dezembro com as bandas sinfónicas da GNR e da PSP.

Nelson reforça a importância da televisão no percurso que percorreu ao lado do irmão Sérgio. “A televisão transportou-nos para a casa das pessoas. O Big Show SIC tem um papel importantíssimo. Porque Portugal não é só Porto e Lisboa, a cultura não é só das elites. Um estudo indicou que conseguíamos chegar da classe A até à última, ainda hoje sentimos isso.”

Hoje acredita que “cada vez é mais difícil viver da música, há cada vez mais intervenientes”, e salienta uma falta de acompanhamento pedagógico junto de quem tem sucesso. "Ninguém lhes explica para não gastarem o dinheiro todo, porque para o ano vão ter de pagar metade às finanças. Tentar poupar e investir na carreira, isso ninguém explica. Nós tivemos sorte de vir de origens humildes, de uma família estruturada, que sabe o que custa ganhar a vida. Dá para viver da música se tiveres algum sucesso, senão vives da música ao fim de semana"



Paulo Alves

Geração 70 não é um podcast de política ou de economia, nem de artes ou ciência. É uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam. Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: [email protected]

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