Voltar

Autoconsumo: produza a sua própria energia

Em casa

Especialistas

Homem a controlar com o telemóvel a potência dos painéis solares
iStock

Numa era que se pretende de transição energética, o consumidor deverá vestir‑se de cidadão e exercer os seus direitos enquanto tal. Deixa de ser um recetor passivo de bens e serviços e passa a ser um produtor de energia. Daí o novo papel que lhe cabe, o de “prosumer”.

E em que consiste o "prossumo"? No incentivo aos consumidores a adotarem soluções de produção de energia descentralizada para satisfazerem as suas necessidades energéticas. A importância deste envolvimento tem um marco em 2019: é neste ano que se determinam, de uma forma mais vincada, políticas europeias destinadas ao autoconsumo de energia e descarbonização. E linhas de atuação para que os consumidores possam investir na produção de eletricidade através de energias renováveis, à escala local, de forma simplificada e célere. A nova lei-quadro do sistema elétrico nacional de 2022 promove esta ambição.

É simples: se há tantos telhados disponíveis nas cidades e um consumo elevado, porque não aproveitar esse potencial de captação de energia solar e gerar eletricidade localmente? Esta forma de criação da sua própria energia pode – e deve – ser complementar à produção centralizada, por ter menores impactos ambientais e promover um envolvimento dos consumidores na transição energética.

Comunidades de autoconsumo: UPAC e UPP

Pois está na altura de aprender outros termos que se podem aplicar ao "prosumer". Para a produção de energia em modo "faça‑você‑mesmo" existem duas possibilidades: As UPP e as UPAC. O "prosumer" pode instalar unidades de pequena produção (UPP), que se caracterizam por possuir potência de ligação à rede máxima de 1 megawatt, e são baseadas apenas numa tecnologia de produção renovável. A eletricidade resultante é vendida à rede elétrica de serviço público (RESP). Para os telhados dos condomínios e moradias, podem ser instaladas as unidades de produção para autoconsumo (UPAC): instalações de produção de eletricidade baseadas em fontes de origem renovável, e cuja energia resultante tem como destino direto o autoconsumo, podendo vender‑se a produção excedentária à RESP.

Além do autoconsumo individual, os "prosumers" podem organizar‑se no que a lei designa por Comunidades de Energia Renovável (CER) ou Unidades de Autoconsumo Coletivo (ACC). Trata‑se de comunidades constituídas por um conjunto de consumidores que, através de uma instalação partilhada, produzem parte ou, no limite, a totalidade da energia elétrica que consomem, através de recursos renováveis.

Autoconsumo passo a passo

Note que ninguém ficará rico por vender energia elétrica, é um negócio de volume. Para o suportar, é necessário um investimento substancial na rede elétrica, o que pode ser problemático – esse custo será repartido por todos os consumidores através das tarifas de acesso. É neste contexto que as UPAC se revelam economicamente muito interessantes, numa ótica de autoconsumo. Vejamos: o custo de produção por kWh numa UPP ou central de grande dimensão ronda os 0,03 euros, e é vendido por cerca de 0,05 euros. O lucro rondará os 2 cêntimos por kWh. Já numa UPAC, o custo por kWh é bastante superior, e o retorno quando esta unidade de energia é vendida à rede é diminuto. No entanto, se o kWh for consumido na instalação, a conta deve ser feita com o custo evitado pelo consumidor ao ter de adquirir a energia a um comercializador. É possível estimar um retorno de 14 cêntimos/kWh, o que, em instalações bem dimensionadas, permite obter um retorno de investimento em cerca de sete anos. A comparação é expressiva se for feita com as unidades de grande escala de produção centralizada (a tal das grandes centrais que alimentam parcialmente a rede pública) – o retorno de um sistema centralizado é de apenas 2 cêntimos por quilowatt/hora, que compensa pelo elevado volume de produção.

O autoconsumo, individual ou coletivo, está sujeito a procedimentos de controlo prévio. O que significa isto? Pode implicar a obtenção de uma licença, registo prévio e certificação ou comunicação prévia. A lei prevê isenções de controlo prévio, se a capacidade instalada for igual ou inferior a 700 W, desde que não esteja prevista a injeção de excedente na RESP. Quem atribui títulos relativos ao controlo prévio é a Direção‑Geral de Energia e Geologia (DGEG), através da sua plataforma eletrónica.

Em 2022 foi aprovado um diploma, com a vigência de dois anos, que prevê medidas excecionais para simplificar estes procedimentos. Menos procedimentos administrativos para a instalação de centros eletroprodutores de fontes de energia renovável, de instalações de armazenamento e de UPAC estão entre as medidas. Um exemplo dessa tentativa de descomplicar: os centros eletroprodutores estão isentos de avaliação de impacte ambiental quando instalados em edifícios, exceto no caso daqueles que são classificados.

Comunidades contam‑se pelos dedos

Embora muito incentivadas, e já com vários projetos-piloto existentes, o autoconsumo coletivo ou as comunidades de energia continuam a contar‑se pelos dedos. Há uma grande dificuldade na sua implementação. É preciso simplificar processos, clarificar conceitos, centralizar pontos de contacto e desdramatizar o atual panorama de quem pretende seguir este caminho. Até porque há algo de via-sacra a percorrer quando se pretende instalar painéis fotovoltaicos num edifício. O caminho é cheio de pressupostos legais. Num condomínio, um autoconsumidor (proprietário, arrendatário ou detentor) que queira fazer a instalação de UPAC em parte comum do edifício (que não esteja afeta ao seu uso exclusivo) deve comunicá‑lo à administração com uma antecedência de, pelo menos, 60 dias.

Essa comunicação prévia deve conter todas as informações necessárias ao conhecimento do projeto. A administração pode opor‑se, no prazo de 20 dias a contar da receção da comunicação prévia, se a instalação prejudicar a linha arquitetónica do edifício. Ou quando a dimensão da UPAC restrinja de forma desproporcional os direitos de outros condóminos, ou que impeça ou dificulte o acesso a outros equipamentos. E, claro, se estiver em risco a segurança de pessoas e bens. É possível recorrer à assembleia de condóminos em caso de oposição da administração do condomínio, que deve ser convocada no menor prazo possível, desde que não ultrapasse 30 dias após o pedido.

Poupanças atuais e futuras

Se ainda consegue respirar depois de assimilar tantas leis, não desanime. Se faz parte de um condomínio, pode encarar este trajeto como um pequeno contributo que dá ao planeta, mas também à sua carteira. A um custo correspondente a 8 cêntimos por kWh pode corresponder um retorno de 14 cêntimos. Ou seja, pode ter eletricidade mais barata, gerada pelo seu próprio telhado.

Segundo dados recentes, e, além do que era esperado, os consumidores portugueses estão a aderir de forma muito significativa à instalação de painéis fotovoltaicos para produção descentralizada de energia para autoconsumo. É uma evolução positiva.

No entanto, as previsões mais realistas apontam para o incumprimento das metas que nos propomos alcançar até 2050. Num estudo da DECO PROteste prevê‑se uma estabilização da potência fotovoltaica instalada a partir de 2027. Daí a forte possibilidade de não alcançarmos o objetivo. E o incumprimento vai verificar‑se quer para a tecnologia centralizada, quer para a descentralizada. Mas, de uma maneira ou de outra, a produção fotovoltaica vai continuar a aumentar gradualmente em Portugal.

Consumidores exigem

Menos burocracia e mais incentivos ao autoconsumo

Sendo a energia solar uma riqueza nacional, e uma solução para mitigar a dependência dos combustíveis fósseis e da importação de energia, e para o equilíbrio na balança comercial, esta está ainda subaproveitada.

Apesar de os consumidores estarem a investir e das várias políticas de apoio que começam a ter resultados – programas do Fundo Ambiental, redução de IVA e um quadro legislativo mais claro – ainda é preciso fazer mais, mais depressa e de forma menos complicada. Os vários programas de apoio não têm uma continuidade temporal e previsibilidade, dificultando o planeamento com antecedência e com menos risco de investimento por parte dos consumidores.

Desta forma, defendemos que devem ser simplificados os procedimentos para o autoconsumo coletivo, clarificando a legislação, facilitando o acesso e disseminando a informação, tornando-os acessíveis a quem neles deseja participar, sem que seja imediatamente desmotivado pela burocracia.

A transição energética deve assim ser feita com os consumidores e contemplando as várias vertentes – ambiental, social e económica. Conjugando todos estes benefícios, demonstrados no artigo, será mais fácil um envolvimento coletivo, que passa pela demonstração dos benefícios que esta transição deve aportar.

Quantos painéis solares precisa em sua casa?

Se ainda não se juntou a nós, registe-se para ter acesso a ferramentas exclusivas, como a calculadora para descobrir a sua pegada ecológica.

Registe-se gratuitamente

Veja também