Análise
Filipe Campos

Filipe
Campos


Especialista em Investimento Imobiliário pela London School of Economics.
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Mestre em Economia pela Universidade Nova.

Preços das casas resistem à pandemia

Há 3 anos - 2 de março de 2021
Filipe Campos

Filipe
Campos


Especialista em Investimento Imobiliário pela London School of Economics.
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Mestre em Economia pela Universidade Nova.

Apesar de prevermos que os preços das casas venham a cair por comparação com o ano passado, o certo é que ainda não caíram de forma significativa. Saiba porquê.
investir imoveis

Cautela ao investir em imobiliário. Há muitas incertezas para o curto e médio prazo.

Seria de esperar, por esta altura, uma queda mais acentuada dos preços de venda das casas. Mas, ainda que tenham abrandado, continuam a crescer em alguns concelhos. A morte anunciada do imobiliário é, portanto, prematura. Para se perceber como evoluiu o setor, entre dezembro de 2019 e janeiro de 2021, recolhemos na plataforma Casafari dados sobre os dez concelhos mais populosos. 

Neste período, os preços de venda por metro quadrado registaram subidas entre 2% (concelho de Lisboa) e 19% (concelho de Braga). O valor por metro quadrado na capital é o mais elevado (cerca de 4200 euros) e em Braga, o mais baixo (cerca de 1200 euros). Os concelhos de Loures e de Sintra também beneficiaram de um aumento acentuado dos valores (18% e 15%, respetivamente).

Preços médios de venda das casas por metro quadrado

precos casas

Em certa medida, e como previsto, tivemos, no início da pandemia um arrefecimento generalizado de preços. Entre abril e maio, apenas a capital minhota (+7,5%), Vila Nova de Gaia (+1,2%) e Oeiras (+0,3%) registaram subidas. A tendência de queda vem espelhada no relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE), segundo o qual, entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, a taxa de variação do preço mediano de habitação em Portugal foi negativa (-5 por cento). O mesmo aconteceu do segundo para o terceiro trimestre, em que variou -1,6 por cento.

O arrefecimento dos preços inverteu-se apenas nos últimos dois meses do ano e no início de janeiro, graças às moratórias concedidas pelo Governo e pelos bancos, à consolidação dos apoios às empresas na proteção de postos de trabalho (lay-off) e à aparente melhoria da situação sanitária no verão. 

Com a situação pandémica a piorar e a arrastar-se pelo ano adentro, é esperado que os preços caiam relativamente ao ano passado. Ainda que o mercado esteja a surpreender em alguma medida pela resiliência, esta é a perspetiva que mantemos para o setor residencial imobiliário este ano.

Tenha também atenção à diferença entre estes valores de mercado e os valores de venda. Como a PROTESTE INVESTE já reportou várias vezes, há uma grande disparidade entre os dois valores. Por exemplo, para Lisboa, a diferença entre o valor anunciado de venda e o valor das vendas reportado pelo INE para o terceiro trimestre é de 23 por cento. Para o Porto, é de 15 por cento.

Arrendamento penalizado

Os números oficiais mais recentes revelam que 26% dos portugueses habitam numa casa arrendada. Deste total, metade está arrendada a preços de mercado e é ocupada por pessoas sem descendentes, o que indicia tipologias mais baixas.

A Área Metropolitana de Lisboa concentra 33% dos novos contratos e a área metropolitana do Porto, 17 por cento. Ao contrário do que se passa com os valores de venda, o mercado de arrendamento reagiu negativamente ao efeito da pandemia. 

O concelho de Lisboa foi o que ajustou os preços de forma mais dura (-12%), seguido dos concelhos da Amadora (-10%) e de Loures (-8 por cento). Cascais apenas caiu 4% no total do ano e Sintra, tal como Oeiras, 2 por cento. 

No Norte, Porto e Matosinhos viram os preços do arrendamento descer 6%, e Braga e Vila Nova de Gaia, 4 por cento. Estes dois concelhos e o de Sintra são o reflexo do mercado de arrendamento em Portugal. Face à reduzida dimensão de imóveis disponíveis, eventuais variações de preços na amostra têm maior impacto no resultado. 

O sentimento negativo de 2020 prolongou-se na entrada de 2021, com os preços a continuar a cair, mas apenas na Amadora (-2%), em Sintra (-1%) e em Vila Nova de Gaia (-1 por cento). Quanto aos restantes concelhos, houve uma inversão da tendência verificada no ano passado. Os valores de arrendamento valorizaram, com Braga e Loures a liderar a subida no arranque do ano, com 4 por cento. Matosinhos e Porto também comportaram um crescimento, desta feita de 3 por cento. Já Cascais e Oeiras viram os preços aumentar 2% e, finalmente, Lisboa 1 por cento.

O que está a aguentar os preços 

A maioria das pessoas tem a perceção de que os preços ainda não caíram. Dependendo da amostra, essa perceção até pode estar correta. Embora o comportamento entre municípios não seja homogéneo, tendo em conta os dados mais recentes da habitação lançados pelo INE, os preços estão a estabilizar e em linha com os nossos alertas.

Se compararmos o terceiro trimestre de 2020 com o período homólogo, o valor mediano das vendas caiu em Lisboa (-1,8 por cento). Por outro lado, se fizermos a diferença entre a taxa de variação homóloga deste indicador entre o segundo e o terceiro trimestres, facilmente se conclui que os preços estão a inverter. Aliás, o INE destaca este comportamento em alguns dos municípios que analisamos neste artigo: Amadora (-9,3%), Cascais (8,9%) e Lisboa (-8,1 por cento). Aguardaremos pelos dados oficiais do INE para o final do ano para confirmar a tendência. 

É caso para perguntar: por que não caíram os preços de forma mais notória? A política monetária acomodatícia do Banco Central Europeu, que está em curso desde 2014, tem mantido as taxas de juro muito reduzidas. O baixo custo do dinheiro tem permitido manter uma forte dinâmica do crédito, o que sustenta o mercado do imobiliário e justifica, em parte, a resiliência que o tem caracterizado. 

Por outro lado, temos a situação pandémica atual. No verão, o vírus deu a ideia de que poderia desaparecer de forma rápida. A aparente bonança no ritmo de novas infeções e o caminho para a descoberta da vacina terá gerado uma onda de otimismo. Contudo já se percebeu que o vírus veio para ficar e terá a sua sazonalidade. Ou seja, os obstáculos relacionados com a questão viral continuarão a existir: produção, distribuição e programa de vacinação global. 

Assim, tendo em conta a evolução da pandemia entre nós, é de esperar que o curto otimismo que se terá gerado nos últimos meses do ano, e até levado a uma aparente subida de preços, se esvaneça. 

O lado da oferta, por si, não explica tudo, mas permite aclarar, em parte, os movimentos observados no setor. Fazendo a média do ano de imóveis disponíveis para venda no mercado para cada concelho, e estabelecendo-a como referência, verificamos que a primeira metade do ano de 2020 foi de contração na oferta. Esta redução da oferta, no primeiro semestre, aliada a um rejuvenescido otimismo pós-verão levou a um aumento de preços por parte dos vendedores. 

Contudo, o que verificámos no final de 2020 e arranque de 2021 foi um aumento da oferta de imóveis para venda comparado com o início do ano passado. Estes níveis de construção, semelhantes aos de anos anteriores, podem significar que o mercado está a sofrer uma transformação. A prazo, a oferta continuará a aumentar, pressionando os preços negativamente, apesar dos vendedores tentarem livrar-se dos ativos ao melhor preço possível. 

Finalmente, existe hoje uma grande percentagem de famílias que vive numa nuvem sustentada por situações favoráveis de mercado (baixas taxas de juro), de apoio ao emprego e ao cumprimento das responsabilidades financeiras por via de moratórias. Ainda que esta situação se possa prolongar, terá de terminar um dia.

Investir ou não investir? 

Uma das funções da PROTESTE INVESTE é ajudar os investidores a precaverem-se de escolhas precipitadas e tomar as melhores decisões de investimento. Perante as baixas rentabilidades proporcionadas pelos produtos de capital garantido e outros considerados ativos de refúgio, como os do mercado obrigacionista, o imobiliário é visto muitas vezes como um investimento alternativo, com rentabilidades interessantes. 

Os encargos associados à aquisição e à boa manutenção do mesmo são, contudo, esquecidos. É essencial perceber o potencial do investimento. Analisando os preços de mercado de janeiro de 2021, constatará que comprar casa para investir não é uma boa solução em nenhum dos concelhos. 

Arrendamento: rentabilidades deixam a desejar

rentabilidades arrendamento

Atualmente, a barreira mínima para considerar que comprar para arrendar é um bom investimento é de 4,1%, tendo em conta o risco associado, o trabalho implícito e a perspetiva de longo prazo que deve estar associada ao investimento. Comparando e tendo em conta os valores apresentados, Loures seria o melhor investimento entre os 10 concelhos (rentabilidade líquida anual de 3,5 por cento). 

Para estes cálculos, definimos uma tributação sobre os rendimentos prediais de 28%, despesas mensais de manutenção de 10 euros, condomínio mensal de 35 euros, o valor do seguro multirriscos, tendo em conta a área média e, por fim, o imposto municipal sobre imóveis (IMI). 

Quando comparado com os outros concelhos, Loures apresenta uma boa percentagem de população em idade ativa, entre os 15 e os 64 anos (66%), bem como uma baixa taxa de desempregados inscritos no centro de emprego em percentagem da população ativa (4 por cento). 

Tendo em conta também o rendimento líquido mensal de duas pessoas (1654 euros) e o valor médio de renda de mercado, seria oportuno colocar a hipótese de ajustar em baixa o valor da renda, já que a taxa de esforço para o agregado familiar com estes valores seria de 55 por cento. Outro dado interessante que não deve descurar é a dimensão da oferta. Neste caso, Loures tem uma maior oferta da tipologia T2, ou seja, para famílias com um agregado de pequena dimensão. Isto significa mais concorrência, mas também mais hipóteses de escolha se for adquirir o imóvel. 

Neste caso, se precisar de um crédito hipotecário (algo que, por norma, não recomendamos para fazer este tipo de investimento), o custo desse empréstimo seria de 416 euros (a uma taxa de juro de 0,7% e um prazo de 30 anos para um financiamento de 60% do valor da casa). 

Na seleção de um imóvel, e embora não esteja presente no quadro esta informação, tenha ainda em consideração outros aspetos, como a localização relativamente a escolas e jardins, o número e o tipo de serviços nas redondezas (supermercados, restaurantes) e ainda as acessibilidades (transportes e vias de circulação de mobilidade urbana). 

O que dita o futuro

Da nossa leitura do mercado, os preços de venda serão pressionados negativamente por vários fatores. Primeiro, os valores praticados no mercado de arrendamento são mais móveis, sobretudo o dos novos contratos. Num mercado como o português, caracterizado por contratos de curta duração, embora possa vir recuperar parte do “caminho perdido” no ano passado, é possível que se observem novas quedas, sobretudo após o fim das moratórias e de outros apoios financeiros. 

Em teoria, a descida do valor das rendas carrega uma pressão sobre os preços de venda para “combater” os eventuais ajustes na rentabilidade dos investimentos. Segundo, a construção nova e o surgimento de imóveis covid. Ou seja, imóveis provenientes do mercado de arrendamento (curta e longa duração) e do mercado de compra e venda que, por privação no pagamento de rendas dos inquilinos ou dos proprietários que terão de vir para o mercado, pressionarão os preços de venda. 

Outro fator são as taxas de juro. Embora permaneçam baixas, os impulsionadores de melhorias do parque habitacional, sejam eles investidores, promotores ou construtores, deverão tornar-se mais cautelosos. É expectável que, em certa medida, estes intervenientes no mercado se retraiam até os preços se ajustarem e a incerteza relativamente à pandemia afrouxar. 

Por outro lado, temos também o Estado a entrar com mais força no mercado imobiliário com apoios à oferta de imóveis. Devido à contínua mudança de cultura entre gerações, aliado ao baixo rendimento disponível da generalidade dos consumidores, podemos vir a assistir a um incremento de novas tendências na partilha de imóveis. 

Relacionado com o rendimento disponível está o já conhecido problema da capacidade de suportar, além das despesas básicas do dia-a-dia, os encargos com a habitação. O fraco crescimento económico e o aumento do desemprego agravarão a capacidade de aquisição por esta via. A solução passará por manter as casas vazias ou colocá-las no mercado a preços mais baixos. Veremos. 

Finalmente, o vírus. A pandemia, mais cedo ou mais tarde, vai acabar, mas o vírus não. Daqui a uns meses entraremos de novo no outono/inverno e desconhecemos qual será o avanço do programa nacional de vacinação. As novas estirpes deste vírus, embora não provoquem grande alteração na evolução da doença, vieram acelerar a rapidez de contágio. Um agente racional deve ser cauteloso num investimento de tão longo prazo, como o de comprar uma casa. Tal como num mercado de ações, o momento de entrada tem importância. 

Associada à evolução do contágio da covid-19 está também a evolução do turismo. Atualmente, os dados apontam para uma longa e muito lenta recuperação. Também este fator pressionará os preços negativamente. 

O nosso conselho é cautela na decisão de investimento. Ninguém tem uma bola de cristal, mas os relatórios do Banco Mundial, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, entre outros, estão cheios de mensagens de incerteza para o curto e médio prazo. 

Como sempre, este tipo de investimentos deve ser analisado caso a caso. Para manter-se a par dos valores médios por tipologia na sua freguesia, e ler os nossos conselhos, consulte a ferramenta “Comprar Casa”.

 

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