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“Interdição de carros com motor a combustão nas cidades não vai demorar”

Postos de carregamento de veículos elétricos partilhados nos condomínios e parques de viaturas que se alugam com um simples clique num smartphone: o futuro da mobilidade poderá ser isto e muito mais e já está a ser inventado pelas empresas e universidades.

01 junho 2021
posto de carregamento de carros elétricos

iStock

É “verde” o futuro da mobilidade. Os fabricantes já iniciaram a sua viagem rumo à eletrificação, mas do lado dos consumidores persistem dúvidas. O investimento compensa? Os postos de carregamento públicos no País são suficientes? O desempenho dos carros elétricos é semelhante ao de um automóvel com motor a combustão?

Carros, bicicletas ou trotinetas. No portal Mais Mobilidade, partilhamos tudo o que precisa de saber para se deslocar e aumentar a eficiência de cada viagem.

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Para perceber porque alguns portugueses ainda resistem à mobilidade elétrica e o que já levou tantos outros a investir nestes veículos, os investigadores Ana Lúcia Martins, João Carlos Ferreira e Luís de Faria Filipe, do Iscte Executive Education – AI Business Hub, lançaram um inquérito online ao qual nos juntámos para saber o que preocupa os consumidores. Os resultados deverão ser conhecidos ainda este verão.

O que é o AI Business Hub, que está a coordenar este inquérito, e que trabalho tem desenvolvido?

Luís de Faria Filipe (LFF) – O AI Business Hub é a conjunção da academia e das empresas. Neste hub pretendemos juntar o que se faz de melhor na academia na área da Inteligência Artificial (IA) e trazer para este grupo um conjunto de empresas, nacionais e internacionais, que são representativas e que têm experiência neste setor. O objetivo é desenvolver uma solução de mobilidade elétrica que seja aplicável de imediato no mercado.

Além disso, queremos transmitir a ideia de que já existem soluções na área da Inteligência Artificial e de que já existe um certo grau de maturidade na Inteligência Artificial que é aplicável às empresas para que estas melhorem a sua performance na área da Gestão. Por um lado, a IA permite às empresas serem mais rápidas e eficientes e, por outro, permite poupar e substituir processos que são repetitivos.

Estamos a assistir a uma evolução muito acelerada na indústria dos serviços. Muitos destes serviços podem ser automatizados. Com a IA, as pessoas que fazem um trabalho mais “mecânico” podem passar a fazer outras atividades mais interessantes. No caso da Banca, por exemplo, em que temos pessoas a preencher papéis, um sistema de leitura de software pode trazer mais rapidez e menos erros.

Tradicionalmente, não há grande proximidade entre as empresas e a academia. A partilha de sinergias entre estes dois pólos pode acelerar a transição para a mobilidade elétrica?

LFF – Essa é a nossa mensagem. Se me perguntar se é fácil, dir-lhe-ia que não. Não é fácil, sobretudo, por uma questão cultural do País, mas a relação entre a academia e as empresas está a mudar. Já existe há muitos anos noutros países, por exemplo, no caso do MIT, nos EUA. O AI Business Hub do Iscte Executive Education é um exemplo dessa cooperação em Portugal. Queremos mostrar que há vantagens na cooperação entre empresas e a academia.

João Carlos Ferreira (JCF) – Neste âmbito, criámos há cerca de quatro anos o Laboratório da Internet das Coisas no Iscte e temos estado a trabalhar ativamente na relação com empresas na área de IoT (Internet of Things) ou análise de dados. Há dois anos tivemos um primeiro trabalho muito operacionalizado por um aluno no qual se desenvolveu um sistema de monitorização de carregamento de veículos elétricos. Percebemos que nos condomínios, em particular, muitas vezes existe apenas um contador e vários condóminos. Foi desenvolvido um sistema que permite fazer a contabilização da energia que cada um consome para que o contador possa ser partilhado.

Posteriormente, tivemos um segundo estudo, também operacionalizado por um aluno, mais focado em análise de dados, que pretendia perceber os padrões de consumo e o movimento dos veículos elétricos e deparámos com muita falta de informação, sobretudo, no que diz respeito a questões como a degradação da bateria. Foi por isso que começámos a fazer inquéritos para, por exemplo, recolher informação sobre os hábitos de carregamento.

Já existe um estudo, de âmbito internacional, muito orientado para a Tesla, — que tem neste domínio uma comunidade bastante ativa — e estamos agora a tentar expandir esse estudo para perceber determinados parâmetros de mobilidade de veículos elétricos. Como os veículos elétricos são muito mais do que a Tesla, decidimos alargar o inquérito para tentar perceber qual é o estado das coisas em Portugal no que diz respeito a problemas, tendências... É essa análise que estamos a fazer agora, num estudo com a participação muito ativa de alunos.

investigadores do ISCTE estudam hábitos de utilização de postos de carregamento de carros elétricos 
João Carlos Ferreira, Ana Lúcia Martins e Luís de Faria Filipe, do Iscte Executive Education – AI Business Hub, estão a estudar os hábitos de utilização de postos de carregamento de carros elétricos (Fotografia: 4See/Enric Vives-Rubio).

Vai ser possível traçar um retrato das preocupações dos utilizadores de veículos elétricos?

JCF - O estudo é relativamente aberto e analisa várias áreas, nomeadamente a perceção das resistências à entrada de veículos elétricos no mercado. Surge muitas vezes a questão do preço mais elevado [dos veículos elétricos], o problema da autonomia, da falta de postos de carregamento...

Como utilizador de um elétrico, sou privilegiado porque vivo numa vivenda e a tomada é minha. Mas quando vou para Lisboa existe sempre uma certa incerteza por não saber onde posso carregar. Contudo, a minha experiência diz-me que o investimento mais elevado que fiz, em relação a um carro com motor a combustão equivalente, é recuperável. Gastava cerca de 300 euros de gasóleo por mês e neste momento, apesar de ainda ser difícil aferir, sinto que a conta da eletricidade subiu apenas cerca de 20 ou 30 euros. O retorno financeiro é evidente.

Além disso, neste estudo estamos a tentar analisar também a perceção de degradação da bateria ao longo do tempo. Queremos perceber se os hábitos de carregamento podem influenciar a degradação da autonomia e tentar aferir se esse investimento é seguro a longo prazo. Ainda há a ideia de que a bateria pode ficar "viciada" ao longo do tempo. Queremos comparar carregamentos rápidos e carregamentos lentos e perceber se existe mesmo uma degradação da autonomia.

Fala-se pouco do que acontece às baterias no fim do ciclo de vida. Isso preocupa os consumidores?

JCF – Regra geral, os ciclos de vida destas baterias são longos. Os fabricantes falam entre cinco a dez anos, ou mais, mas o histórico dos veículos elétricos ainda não nos permite aferir o que vai acontecer. Um dos problemas sobre o qual frequentemente se fala, relacionado com ecologia, é a questão do lítio, que dizem ser bastante poluidor. Essa é outra questão que vai começar a surgir em breve quando as baterias começarem a chegar ao fim do seu ciclo de vida, mas a tecnologia evolui rapidamente e é possível que estas questões venham a ser ultrapassadas.

Naturalmente, é um tema que ainda carece de estudo, mas penso que a degradação da bateria está dependente do comportamento de carregamento. Pelo que nos diz a literatura, os carregamentos lentos, em casa, por exemplo, não degradam a bateria. Já os carregamentos rápidos, feitos a alta potência, segundo a literatura, podem degradar. Quanto degradam é algo que estamos a tentar estudar.

Outra das coisas que vamos tentar perceber é a questão da incerteza sobre a disponibilidade dos postos de carregamento públicos. Na cidade, os poucos postos de carregamento que existem, por vezes, estão ocupados por carros que os usam para estacionar e para lá ficar todo o dia.

O que está a dizer é que ter um carro elétrico, à partida, exige maior planeamento das viagens ...

JCF – Sim, queremos tentar aferir também isso neste estudo.

Ana Lúcia Martins (ALM) – Este estudo vai dar-nos uma visão muito completa da mobilidade elétrica em Portugal e vai permitir-nos caracterizar dois públicos muito distintos. Por um lado, saber qual é o perfil do utilizador de veículos elétricos e, consoante os seus hábitos de utilização, saber como podemos criar um melhor serviço e qual é a propensão do mercado para o tipo de soluções que são necessárias.

Por outro lado, há um conjunto de questões muito vasto que este estudo vai conseguir responder, nomeadamente qual o perfil de quem até já mostra alguma propensão para vir a comprar um carro elétrico, quem já utilizou no passado, de que forma vê o veículo elétrico, etc. As respostas a estas questões vão permitir-nos perceber de que forma podemos contribuir para se clarificarem alguns mitos e ultrapassar algumas resistências que certamente ainda existem em relação à adesão a veículos elétricos, e de que forma podemos tornar as nossas cidades mais “verdes”.

Ainda existe a perceção de que estes veículos são muito caros, mas a verdade é que embora exista um investimento inicial um pouco mais elevado, há um retorno [financeiro] a médio prazo. As pessoas podem até gastar um pouco mais inicialmente, mas num horizonte temporal relativamente curto têm o retorno desse investimento.

investigadores do ISCTE estudam hábitos de utilização de postos de carregamento de carros elétricos 
Com este estudo, os investigadores esperam que seja possível desenvolver uma solução de mobilidade elétrica que seja aplicável de imediato no mercado (Fotografia: 4See/Enric Vives-Rubio).

A autonomia da bateria é um dos obstáculos à transição para a mobilidade elétrica?

JCF – Recentemente, vi um anúncio de um carro elétrico chinês com uma autonomia de 1000 quilómetros. Quase todos os fabricantes já têm carros elétricos. Hoje em dia, é um segmento de mercado obrigatório. Se todos apostarem, os preços vão baixar, vai existir maior oferta... Adicionalmente, penso que não vai tardar muito até que haja interdição de carros com motor a combustão nas cidades. A União Europeia tem metas nesse sentido. As pessoas vão começar a ver os preços de compra a descer e uma evolução da autonomia. Não tardará muito até que o número de veículos elétricos ultrapasse os veículos tradicionais. A tendência será essa.

Outra coisa importante é que os carros elétricos quase não têm manutenção. Não temos de ir mudar o óleo todos os anos, por exemplo. Tenho um carro elétrico há quatro anos e apenas mudei os pneus, e foi porque quis fazer a inspeção de forma segura. Há países, como os nórdicos, que têm faixas especiais para que os veículos elétricos andem na cidade e que têm taxas reduzidas nas autoestradas. Há muitos incentivos ao seu uso. Em Portugal, o incentivo que há são os cerca de 3000 euros para a aquisição de um veículo, mas que rapidamente se esgota... Não há muitos incentivos que fomentem a adesão, mas em termos económicos e ambientais os veículos elétricos compensam.

ALM – Respondendo à questão da autonomia, se imaginarmos um cenário em que temos uma família com crianças pequenas, que vai fazer uma viagem ao Porto, sabemos que ter crianças num carro durante três horas é impossível. É natural que haja uma paragem para bebermos uma água ou para apanhar ar. Esse período de paragem pode ser crucial para fazer um carregamento mais rápido e depois prosseguir. As pessoas já têm este comportamento.

Desde que haja uma rede de postos de carregamento que permita isto, podemos começar a pensar numa mobilidade "verde" noutras geografias, além das cidades. Hoje em dia, se temos de fazer uma viagem além daquelas que planeámos para o nosso dia, começamos de imediato a tentar perceber onde é o posto de carregamento mais próximo, a pensar no que fazer se esse posto estiver a ser utilizado por outro veículo... Temos de começar a pensar em soluções que nos permitam minimizar este tipo de desafios, por exemplo, com a disponibilização mais generalizada de postos de carregamento nos locais de trabalho.

LFF – E temos de pensar também nas novas gerações que pensam mais na mobilidade do que propriamente em serem proprietários de veículos... Numa fase seguinte poderemos vir a ter parques de carros parados, como temos com as bicicletas elétricas e com as trotinetas, que as pessoas podem alugar quando necessitam. Nas deslocações do dia-a-dia, provavelmente esta será uma das alternativas no médio e longo prazo, pelo menos para as novas gerações.

Quando vão divulgar os resultados?

ALM – Provavelmente no verão já nos será possível apresentar os resultados desta análise, no entanto, estamos dependentes do ritmo a que os dados são recolhidos.

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