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Eleições: voto eletrónico e à distância são caminho a seguir?

À beira de novas eleições, debatemos o voto eletrónico e à distância no novo episódio do podcast POD Pensar. Veja também como funciona o voto antecipado em mobilidade e como pode votar quem estiver em confinamento obrigatório.

votar á distância

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Boletim em papel, caneta e cruzinha à mão no voto. Assim votamos em Portugal desde sempre; assim continuaremos a votar, pelo menos, por enquanto. Mas há ou não uma necessidade de implementar sistemas mais modernos de votação, atraindo os mais jovens, agilizando a contagem, facilitando a participação dos emigrantes e – argumento magno dos mais acérrimos defensores do voto eletrónico e à distância – contribuindo para a diminuição da abstenção?

Lino Santos, coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança, Isabel Oneto, ex-secretária de Estado da Administração Interna – estava no Governo em 2019, quando foi testado um sistema de voto eletrónico presencial no distrito de Évora, nas eleições europeias – e Ricardo Lafuente, vice-presidente da Associação D3 – Defesa dos Direitos Digitais, responderam ao repto lançado por Aurélio Gomes no mais recente episódio do podcast POD Pensar: pode ou não o voto eletrónico e à distância garantir uma democracia mais robusta?

Isabel Oneto recordou as virtudes do projeto-piloto de votação eletrónica presencial em Évora, em 2019, nas eleições europeias, apesar das críticas então feitas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Lino Santos colocou a tónica no equilíbrio entre benefícios e riscos: o que é que verdadeiramente se ganha com o voto eletrónico e à distância? "Os ganhos suplantam os riscos?", é, na base, o que preocupa o coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança.

Ricardo Lafuente é crítico. O vice-presidente da Associação D3 – Defesa dos Direitos Digitais alimentou a discussão com vários exemplos de processos de voto eletrónico não tão bem-sucedidos noutros países.

Em Portugal, a experiência mais estruturada alguma vez levada a cabo decorreu em Évora, em 2019, nas eleições europeias. Recordamos a seguir esse acontecimento.

Évora, 2019: admirável voto eletrónico

Manhã de 26 de maio de 2019, Évora. Joaquina Santos preparou-se para mais uma ida para a mesa eleitoral da sua freguesia, como faz há alguns anos. Votar, registar os eleitores que se vão sucedendo a deixar a cruzinha nos boletins de voto e depositá-los nas urnas são tarefas essenciais em dia de eleições.

Mas, nesse ano, aquele distrito alentejano teve uma novidade para as eleições europeias. Quem quis votar de uma forma alternativa pôde fazê-lo, através de um processo muito simples. Bastava introduzir o cartão de cidadão na ranhura de uma máquina. Um pouco à semelhança do que já se fazia nos centros de saúde ou em consultas de rotina nos hospitais. O número de eleitor era exibido automaticamente num ecrã, a máquina pedia a confirmação dos dados e exibia o boletim de voto. Feita e submetida a escolha do eleitor, era emitido um comprovativo impresso. E estava feito. Para esta eleitora, que pertence à assembleia de freguesia da União de Freguesias de Évora, que agrega todas as do centro histórico, e que há anos está presente nas mesas de voto da cidade, o processo foi um “sucesso”. Além disso, acentua, é “mais rápido e credível”. “Fiquei surpreendida, porque foram mais as pessoas que votaram assim do que estávamos à espera”. Algumas tiveram, naturalmente, dificuldade com os meios informáticos. Mas uma rápida explicação tirou todas as dúvidas. E, contrariamente ao que se possa pensar, alguns sexagenários – e mais velhos – aderiram à votação eletrónica sem quaisquer reservas. Outra vantagem: a contagem feita pela máquina é “mais rápida” e mais fiável. Para o futuro, Joaquina não tem dúvidas: os processos convencionais e eletrónicos de votação deveriam coexistir em todo o País.

Neste projeto-piloto circunscrito ao distrito de Évora, o voto foi presencial, mas deu maior liberdade aos eleitores: quem não estava presente na sua freguesia no dia das eleições pôde recorrer ao sistema noutro concelho. Assim, quem estava em passeio por Borba, Arraiolos ou Reguengos de Monsaraz, por exemplo, a usufruir do domingo, pôde deslocar-se a uma qualquer mesa de voto e cumprir o ato cívico. O registo e o voto noutro concelho eram tão válidos quanto uma ida do eleitor à sua mesa habitual. 

Um terço de eleitores eletrónicos

 A adesão foi grande e as pessoas, em geral, ficaram satisfeitas. Votou desta forma quem assim o pretendeu, segundo a responsável da Câmara Municipal de Évora que acompanhou o processo na altura.

As contas finais falam por si. Num universo de mais de 47 mil eleitores que se deslocaram às mesas naquele domingo de 2019, 15 173 optaram pelo voto eletrónico. Ou seja, um terço dos eleitores preferiram esta via. No concelho de Évora, das 58 mesas eleitorais, 16 eram eletrónicas. O sistema soma outra vantagem, de acordo com as fontes que consultámos: evita o voto nulo. É impossível, na verdade, falhar o espaço reservado ao voto com a caneta, ou “sabotar” o boletim. Quando muito, o eleitor poderia, eventualmente, enganar-se no partido. Mas, nesse caso, o sistema permitia que se anulasse o voto e que se procedesse à sua correção... Após a votação, o boletim de voto era impresso e tinha de ser e entregue ao presidente da mesa, tal como se verifica no processo tradicional. Se algo falhasse com o sistema eletrónico, poderiam ser contados os votos entrados na urna. Mas tal não foi necessário.

A urna das mesas de voto eletrónico era selada pelo presidente da mesa e posteriormente entregue à PSP ou à GNR.

E como eram os cadernos eleitorais no sistema eletrónico? Eram “desmaterializados”, mas havia um backup “convencional”, ou seja, era possível, se algo falhasse, conferir a identidade do eleitor nas listas em papel, também presentes nas mesas. No fim, a cereja no topo do bolo. Ou melhor, no topo da urna: “A abstenção diminuiu. Foi o que constatámos.” Esta é a melhor memória que quem geriu o processo guarda daquele dia.

Possíveis vantagens do voto eletrónico

O voto eletrónico parece ter vantagens. A começar por uma possível queda da abstenção, como se terá verificado em Évora, nas Europeias de 2019. Todo o processo parece ser mais barato e permite que alguém – lá está, de novo, o exemplo de Évora – que não esteja na sua freguesia de recenseamento possa rapidamente ir votar, mesmo se estiver em passeio domingueiro. 

A experiência de outros países permite antever esta e outras vantagens. Falemos de mais uma, que tem sido motivo de preocupação há anos em Portugal: a desatualização dos cadernos eleitorais. Não seria muito mais rigoroso ter uma amostra de eleitores sempre atualizada, numa base de dados informática? No entanto, ainda não é admitida a possibilidade de realização de eleições com recurso ao voto eletrónico.

Defendemos, por isso, a aprovação de legislação que preveja esta possibilidade. Aliás, justifica-se até porque se tornou cada vez mais comum o recurso às novas tecnologias no quotidiano dos cidadãos. Basta lembrar, salvaguardando as devidas distâncias, que os Censos 2021, que implicam a recolha massiva de dados estatísticos, foram realizados através do envio das respostas online (telemóvel, computador ou tablet).

É difícil, por isso, vislumbrar razões que impeçam que o voto eletrónico (presencial, sobretudo) se torne uma realidade no futuro próximo. Sendo certo, contudo, que as questões da privacidade são um problema, como já fez notar, aliás, um parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados. As suspeitas de interferência russa no referendo que instituiu a saída do Reino Unido da União Europeia ou nas eleições norte-americanas de 2016 são mais um receio para a fragilidade dos dados dos cidadãos. 

Lei para o voto eletrónico e online

A evolução tecnológica permitiu realizar várias tarefas de forma imediata, através de dispositivos eletrónicos, e tornar algumas tarefas morosas quase obsoletas. Votar à distância, com validação automática de identidade e voto, poderia motivar mais eleitores e reduzir a abstenção, por exemplo? Uma resolução da Assembleia da República recomenda ao Governo que elabore e apresente os estudos necessários à introdução de voto eletrónico não-presencial, nos casos em que este direito é exercido por correspondência. Defendemos a aprovação de legislação que preveja o voto eletrónico. Nesse sentido, enviámos cartas aos grupos parlamentares. Experiências como a das legislativas de 2005, na qual alguns cidadãos residentes no estrangeiro puderam votar à distância, utilizando a internet, mostram que é possível. Conhecemos os perigos que um ataque informático pode trazer à privacidade dos eleitores e até a uma eventual adulteração dos resultados, mas é possível investir na defesa desses dados.

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