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Preço da água sem lei: tarifas mantêm-se díspares entre concelhos

Um singelo copo de água não custa o mesmo em todo o País. A criatividade nos tarifários leva a preços muito díspares para um serviço bastante idêntico. A DECO PROTeste defende o reforço dos poderes da ERSAR e a entrada em vigor do Regulamento Tarifário dos Serviços de Águas.

04 janeiro 2024
Criança ruiva de cabelos compridos bebe um copo de água; fundo azul turquesa

iStock

A seca que conquista certas regiões do País justifica o uso racional da água. Mas será que a resposta passa apenas pela oneração dos excessos com mão pesada, receita preconizada em vários municípios? Um lar que, em vez de 10 metros cúbicos mensais, se alargue até aos 15, pode ser considerado gastador ou apenas o lugar onde habita uma família mais numerosa?

Saber quanto custa a fatura da água no meu município

Entre os 20 municípios em que se aplica a castigadora solução, os aumentos na fatura global vão de 45 a 92%, revela o mais recente estudo da DECO PROTeste. O Fundão pulveriza todos os números. Aqui, a mesma família é punida com cerca de 92% de aumento, que se traduzem num salto de quase 360 euros, entre os 392,30 euros que se paga, ao ano, por 10 metros cúbicos mensais e os 751,64 euros com que se pretende dissuadir os 15 metros cúbicos.

Não há município que bata o Fundão. Ainda assim, nos sete seguintes do top dos mais elevados, praticam-se aumentos entre 45 e 79% na fatura global: Celorico de Basto, Covilhã, Espinho, Oliveira de Azeméis, Paredes, São João da Madeira e Santa Maria da Feira.

A DECO PROTeste analisou todos os tarifários de abastecimento de água, saneamento e tratamento de resíduos em vigor em junho de 2023. Sem IVA nem taxas extra, os preços calculados refletem o consumo de 10 e 15 metros cúbicos de água por mês. A informação sobre os tarifários foi solicitada às entidades gestoras responsáveis pelos serviços, que receberam os resultados para comentários e sugestões de retificação.

Sistema de distribuição de água ineficiente e com preços elevados

As discrepâncias de preços faraónicas são difíceis de explicar, quando o sistema de distribuição prima pelo desperdício. Segundo dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que regula o setor, há uma década que o País desperdiça 150 a 180 milhões de metros cúbicos de água por ano. Água que simplesmente evapora, por incúria.

São sistemáticas as perdas em condutas e ramais velhos, que a pouca vontade ou capacidade de investir, demonstrada pelas entidades gestoras, faz questão de eternizar. Não é o caso do Fundão, diga-se.

Aumentar desproporcionalmente o preço para compensar ineficiências, sem que haja investimento durante anos, não é aceitável nem justo. A DECO PROTeste tem alertado para a urgência do investimento na reabilitação de infraestruturas. Mas, defende ainda, a necessidade de recuperar os gastos não pode ser resolvida só por via dos preços, que devem ser justos, com tarifários para famílias carenciadas e numerosas. Existem outras formas de financiamento para reabilitação de condutas. A comparticipação de fundos é uma delas.

Pequeno país, múltiplos tarifários para a água

A fatura da água é, na verdade, um puzzle de três custos. Nela, cabe o que se paga pela água, pelo saneamento e pelos resíduos sólidos. Ao analisar os tarifários dos 308 municípios – cerca de mil –, a DECO PROTeste detetou várias formas de cálculo das três vertentes, daí resultando preços muito diversos e nem sempre evidentes.

Tão-pouco é fácil a uma família numerosa saber como obter o desconto a que tem direito, e de que forma é aplicado. Já para não falar da tarifa social, destinada a famílias em situação de carência, bastante difícil de detetar no site das empresas que prestam os três serviços do puzzle.

A DECO PROTeste há muito que critica a dispersão tarifária, que já deveria ter sido regulada por via legislativa. A diversidade de formas de cálculo e valores dos tarifários leva a faturas muito distintas, inclusive numa mesma região. O Regulamento Tarifário dos Serviços de Águas foi a consulta pública em diversas ocasiões, mas continua engavetado. Ainda fulcral é reforçar os poderes da ERSAR, para a aplicação de tarifas justas e harmonizadas no País.

Até lá, a DECO PROTeste estuda os tarifários e formula reivindicações para defender os interesses dos consumidores e melhorar estes serviços públicos essenciais. No mapa interativo, pode ver o preço de cada serviço nos 308 municípios, assim como as tarifas sociais e familiares aplicadas.

Falta de investimento, qualidade do serviço ameaçada?

Um preço mais elevado, em teoria, poderia traduzir-se num serviço de melhor qualidade. Ora, a qualidade é medida por vários indicadores, como o atendimento ao utilizador, a acessibilidade aos serviços (incluindo económica), a proteção ambiental e a sustentabilidade das infraestruturas.

O relatório da ERSAR diz-nos que, no nosso país, a água segura para consumo anda nos 98,88 por cento. Refere que as perdas de água nos 15 concelhos com tarifários mais elevados no abastecimento estão em bom nível, cenário que tem melhorado com monitorização e reparação de fugas.

Então, que serviço de superior qualidade é esse para gerar clivagens de preços que podem atingir o dobro entre regiões? A reabilitação de condutas, com potencial para influenciar fortemente os custos, tem primado pelo silêncio, pelo que esta não pode ser a razão. Vejamos.

No estudo que a DECO PROTeste publicou em 2022, Vila do Conde tinha o preço mais caro do País no abastecimento de água, para um consumo anual de 120 metros cúbicos, o qual contribuía para uma fatura global de 480,21 euros. Entretanto, o preço caiu, em virtude de negociação entre a câmara e a Indaqua. Aquilo que o consumidor deixou de pagar à Indaqua é pago agora pela autarquia, que estendeu ainda a concessão por dez anos à entidade gestora. Similar negociação tinham feito a Trofa e Santo Tirso em 2021. Estas câmaras obtiveram para os seus munícipes uma baixa de preços, oferecendo à Indaqua o prolongamento da concessão, no caso, por 15 anos.

Estas e as outras entidades que praticam os preços mais elevados para 120 metros cúbicos chumbam no indicador de reabilitação de condutas e ramais de abastecimento de água. Ou seja, não investem na renovação estrutural, para garantirem a boa qualidade da água a médio e longo prazo. Estamos a falar de Águas de Cascais, Águas de Ourém, Esposende Ambiente, Indaqua Oliveira de Azeméis e Águas do Norte, que agrega Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães. Ainda com preços elevados, a Águas do Planalto, implantada em Tábua, Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão e Tondela, teve uma nota média. Apenas a Aquafundalia, do Fundão, obteve boa avaliação.

Também no cenário de 180 metros cúbicos anuais, preços elevados não trazem mais investimento em reabilitação, exceção feita à Águas do Planalto e à Aquafundalia. É o caso de Indaqua Oliveira de Azeméis, Águas do Norte, Indaqua Santa Maria da Feira, Águas de Paredes e Águas do Marco.

Esta falta de reabilitação ocorre ainda no caso dos coletores (esgotos). São 250 os concelhos do Continente com avaliação insatisfatória, cobrem ou não preços elevados. Torna-se bem evidente a urgência de tarifas harmonizadas em todo o território.

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