Portugueses de carteira vazia
As despesas com habitação foram as que mais agravaram o orçamento das famílias em 2023. Ainda assim, a situação financeira dos portugueses, no geral, melhorou ligeiramente. Conheça as conclusões do Barómetro da DECO PROteste.
- Especialista
- Carlos Morgado
- Herausgeber
- Myriam Gaspar e Nuno César
![Casal português a fazer contas em frente a um computador](https://www.deco.proteste.pt/-/media/edideco/images/home/familia-consumo/orcamento%20familiar/news/2024/barometro/thumb_barometro_800x450.jpg?rev=222c6ae4-73e8-4cf8-b872-0ca91b3fb05d&mw=660&hash=96CD8B3E40C60BCD1D4C719F64BBC529)
A esmagadora maioria (75%) dos quase sete mil inquiridos, que, em 2023, participaram no inquérito anual da DECO PROteste, respondeu ter dificuldades para pagar as contas. Em situação crítica estão 7% das famílias. A crise na habitação terá sido responsável pelo maior aperto financeiro das famílias no último ano, retirando o magro alívio proporcionado pela descida da inflação.
Com efeito, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de juro média em 2023 foi de 3,612%, contra 1,084% no ano anterior. Não surpreende, por isso, que quase 28% das famílias tenham problemas em pagar o empréstimo junto do banco. O mesmo acontece com 23% dos inquilinos para pagar a renda da casa.
Ainda que tenha baixado de 7,9%, em 2022, para 4,3%, em 2023, a inflação continua a impactar negativamente um número considerável de portugueses. Quase nenhuma família escapou ao efeito da inflação na hora de pagar as contas. Cerca de um terço (31%) revela sentir "muito mais" dificuldades em pagar as despesas essenciais, e 4% referem mesmo que é missão impossível. Apenas uma minoria (6%) não sofreu impacto com a subida dos preços dos bens. As despesas de educação, em particular as relacionadas com o ensino superior, também se agravaram para 30% dos portugueses.
Além dos encargos com habitação e educação, o Barómetro da DECO PROteste avaliou a capacidade de os agregados familiares fazerem face às despesas de alimentação, lazer, mobilidade e saúde. Com vista a refletir a realidade nacional, as 6734 respostas ao questionário de 2023 foram ponderadas por género, idade, região e habilitações literárias. Conheça as conclusões em detalhe do Barómetro DECO PROteste.
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Nível de vida melhora, mas pouco
Apesar de os custos com a habitação pesarem consideravelmente no orçamento familiar (quase 40%, segundo o INE), em 2023, o índice da DECO PROteste melhorou (43,4, numa escala de 0 a 100). Esta ligeira diferença de 1,3 pontos face ao ano anterior é fruto da descida das despesas de mobilidade (-4,3%), saúde (-2,8%) e comida (-1,9 por cento). Ainda assim, o índice continua abaixo dos valores registados entre 2018 e 2021. Não há, portanto, motivos para sorrir.
Dos quatro países que participaram no estudo, Portugal apresenta o índice mais baixo, bem distante da Bélgica (53,5) e um pouco abaixo de Espanha (46) e Itália (45,1).
Alentejo e Centro com mais dificuldades financeiras
O Alentejo e o Centro são as zonas do País onde se vive com maiores dificuldades (41,9). Já os Açores, que tinham o índice mais baixo em 2022 (37,2), subiram quase seis pontos, deixando, assim, de estar na cauda. O Algarve tem não apenas mais sol, mas também o índice mais elevado (45,9).
Por distrito, as diferenças são, contudo, mais díspares. As famílias de Castelo Branco têm a situação económica mais frágil do País (39,4). Por sua vez, Bragança é o distrito onde se vive com maior desafogo financeiro (52,3). Guarda subiu 11 lugares face a 2022, ocupando agora a segunda posição (47,3).
Ao contrário, Coimbra despencou do primeiro posto para penúltimo, registando uma quebra de quase 7 pontos no índice em 2023. Neste distrito, encontramos 10% de famílias com sérias dificuldades financeiras. O mesmo acontece a 12% dos agregados de Viseu e 11% de Santarém e Viana do Castelo. Em contrapartida, no Porto, 32% responderam não terem problemas para pagar as ditas despesas essenciais.
Famílias mais carenciadas
O Barómetro identifica como mais vulneráveis as famílias monoparentais e numerosas, bem como os agregados em que um dos membros está desempregado. De acordo com os últimos censos, de 2021, havia em Portugal quase 580 mil famílias a cargo de um único progenitor. Dos inquiridos pela DECO PROteste, 13,1% responderam ter dificuldades financeiras extremas.
Habitação com preços em alta
Em 2023, habitação (49%), alimentação (42%), atividades de lazer (41%) e mobilidade (39%) foram as despesas que mais famílias indicaram ter dificuldades em suportar. Mas, ao contrário do que sucedeu em 2022, ano em que os portugueses cortaram, de acordo com o INE, 573 milhões de euros nas despesas com comida, o destaque vai para a renda da casa. O Barómetro revela que o número de portugueses com dificuldades em pagar a renda mais que duplicou (de 11% para 23 por cento). E o grupo dos aflitos em pagar o empréstimo da casa cresceu 6%, afetando agora 28% das famílias.
Os tempos livres têm um papel importante na nossa qualidade de vida e saúde mental. Contudo, quando se trata de definir prioridades e reduzir gastos, são relegados para último plano. Por exemplo, 63% dos portugueses garantem ter dificuldades em pagar férias e, para 55%, ir a restaurantes é um luxo quase impossível. Face a 2022, há também mais famílias com problemas financeiros que tornam difícil pagar concertos, cinema, teatro ou museus, comprar livros ou praticar atividades desportivas.
No que respeita a gastos com a saúde, mais de metade dos inquiridos (57%) dizem ser difícil pagar tratamentos dentários. Portugal é, aliás, um dos países da União Europeia com pior saúde oral. Atrás de nós, só a Grécia e a Letónia, segundo o Eurostat.
Apesar de terem reduzido, os gastos com combustíveis, manutenção e seguros automóveis também complicam o orçamento de 65% dos agregados familiares. Em matéria de poupança, os números são alarmantes: para 75% das famílias, poupar é tarefa difícil ou impossível, 18% conseguem fazê-lo com algum esforço e apenas 7% não tem dificuldade em fazê-lo. Apenas um quinto das famílias que estão na zona de conforto demonstra alguma facilidade em aforrar. Ou seja, a maioria paga as contas e não sobra nada para pôr no mealheiro.
Em que consiste o estudo?
O Barómetro DECO PROteste visa medir a capacidade de as famílias portuguesas pagarem as despesas do dia-a-dia em seis áreas: alimentação, educação, habitação, lazer, mobilidade e saúde.
Em dezembro último, enviámos um questionário, por correio e online, para uma amostra da população adulta. No total, foram recebidas 6734 respostas. Foram ponderados os resultados de acordo com a distribuição demográfica portuguesa, segundo as variáveis sexo, idade, região e habilitações literárias. O índice varia entre 0 e 100 e, quanto mais elevado for o número, maior é a facilidade dos agregados familiares em pagarem as despesas.
Com base no grau de dificuldade demonstrado, é metodologicamente viável criar três grupos de famílias: as que se encontram em “situação crítica” (que não conseguem ou têm dificuldade em pagar as seis categorias de despesas consideradas); as que apresentam “dificuldades financeiras” em pagar algumas despesas essenciais; e, por fim, as que ocupam uma zona de “conforto”, ou seja, que conseguem facilmente pagar todos os gastos.