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Utentes menos satisfeitos com o médico de família durante a pandemia

Durante a pandemia de covid-19, a satisfação dos utentes com os cuidados de saúde primários diminuiu, revela o nosso inquérito a 2164 portugueses com médico de família. Os profissionais estão igualmente descontentes com os serviços que prestam. Conheça as razões de uns e outros.

26 janeiro 2022 Exclusivo
Paciente a conversar com uma médica

iStock

A satisfação global dos utentes com o funcionamento dos centros de saúde baixou de 6,1 (em 10), no nosso estudo de 2019, para 5,5 no atual. O médico de família também caiu substancialmente na consideração dos utentes, de 7,6 para seis.

Não é segredo para ninguém que, a partir de março de 2020, os serviços de saúde estiveram sujeitos a grande pressão, sobretudo nos picos das infeções por SARS-CoV-2. Nos cuidados primários, além de, nos primeiros meses da pandemia, terem sido suprimidas as consultas presenciais, os profissionais de saúde foram desviados para o acompanhamento telefónico de doentes com covid-19 e respetivos contactos e, mais tarde, para a vacinação, entre outras tarefas. Por isso, a assistência aos seus pacientes foi prejudicada, o que se pode ter refletido na avaliação que estes fizeram dos serviços.

Falha de cuidados de saúde durante a pandemia 

Quando pedimos para compararem o nível de satisfação atual com o da era pré-pandémica, cerca de um terço dos inquiridos apontam o sinal menos ao médico de família e quase metade, ao centro de saúde. A avaliação não causa surpresa a Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), que entrevistámos, até porque “os médicos também estão descontentes, porque sabem que não estão a chegar a muitos casos de necessidade”, adianta.

Mais ou menos satisfeitos do que antes da pandemia de covid-19?

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Neste artigo, damos conta, sobretudo, da experiência dos inquiridos (55%) que precisaram de cuidados entre março de 2020 e meados de 2021. Destes, quase metade não obtiveram todos os cuidados necessários, sendo que 27% não tiveram uma única consulta. Mais: sete em cada dez utentes revelam que a escassez de assistência teve impacto na sua saúde, num quarto dos casos, com consequências graves. Quanto mais elevado foi o número de consultas suprimidas, maior se revelou o impacto na saúde e menor a satisfação dos utentes com o médico de família e com o centro de saúde.

Inquiridos que precisaram de cuidados de saúde durante a pandemia

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Segundo o presidente da APMGF, os médicos de família observaram, sobretudo, um aumento de doentes crónicos descompensados, o que pode estar relacionado com intervalo maior entre as consultas de vigilância. Alerta ainda para possíveis consequências a longo prazo, devido a atrasos no diagnóstico, por exemplo, de doenças oncológicas.

O Norte surge à frente, destacado, nas falhas de assistência, com 54% dos utentes a dizerem que não viram todas as suas necessidades atendidas. No geral, a proporção de queixas é maior entre os doentes crónicos e os que descrevem o seu estado de saúde como mau ou mediano. As relações mais duradouras com o médico de família parecem beneficiar o acompanhamento: 55% dos pacientes seguidos pelo profissional há menos de um ano indicam não terem tido todos os cuidados de que precisavam. No caso dos que têm o mesmo médico há mais de dez anos, a percentagem de quem relata falhas desce para cerca de 40 por cento. 

Utentes descontentes com os serviços dos centros de saúde 

As dificuldades de acesso refletem-se, obviamente, na avaliação que os utentes fazem dos serviços. Uma parte considerável dos inquiridos diz-se descontente com o médico de família (31%) e com o funcionamento do centro de saúde (37 por cento). O desagrado aumenta entre os inquiridos com menor capacidade económica.

Satisfação com os cuidados de saúde primários

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A satisfação com o profissional é influenciada, sobretudo, pelo acompanhamento que dá aos doentes: quatro em dez inquiridos consideram-no insatisfatório, e 28% apenas sofrível. Na verdade, se o médico é deslocado para outras atividades, dificilmente dará a atenção necessária aos seus pacientes, mesmo contando com as consultas à distância – 44% dos utentes tiveram, pelo menos, uma desde o início da pandemia.

A (in)satisfação com as unidades de saúde é influenciada maioritariamente pela facilidade (ou não) em contactar o médico de família e obter prescrições. A baixa avaliação (4,9 em 10) no primeiro parâmetro indica que há muitas barreiras a derrubar antes de chegar à “fala” com o profissional. Já as prescrições parecem fáceis de obter em quase metade dos casos, já que os inquiridos se mostraram muito agradados com o processo.

O tempo de espera por uma consulta, por seu lado, é um problema crónico nos cuidados de saúde primários, que acompanhamos desde 2000. O desvio de recursos para as questões pandémicas agravou a situação. Tanto assim é que, no estudo sobre a confiança nas instituições, metade dos inquiridos revelaram baixa confiança no Serviço Nacional de Saúde para dar uma resposta atempada às suas necessidades. Isto, apesar de ser uma das instituições em que mais confiam.

Consumidores exigem mais investimento na saúde

Apesar de todos os problemas e limitações, o Serviço Nacional de Saúde tem uma importância inestimável para os cidadãos, pelo que os consumidores querem que seja alvo prioritário para o investimento dos fundos europeus, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência.

Aos novos governantes, exige-se que desenvolvam a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada há anos. É preciso reorganizar os serviços, com foco no utente, e dotar os centros de saúde de meios capazes de garantir uma resposta atempada às necessidades. E isto passa, inevitavelmente, por cumprir o tempo máximo de resposta garantida – consulta para doença aguda no próprio dia e consulta programada, no máximo, em 15 dias. E é indispensável encontrar formas de atrair e reter os profissionais no Serviço Nacional de Saúde, bem como assegurar médico de família para todos os utentes. Sem esta condição, dificilmente se conseguirá um acesso e um nível de serviço adequados.

O nosso inquérito foi realizado em junho de 2021 e contou com a participação de 2164 utentes com médico de família, entre 25 e 84 anos. Os dados foram tratados estatisticamente, para refletirem a opinião dos portugueses que têm médico de família.

 

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