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Metadados: até sem net, qualquer telemóvel deixa rasto digital

Impedir os operadores de telecomunicações de guardarem e transmitirem metadados às entidades que investigam crimes é uma das consequências da declaração de inconstitucionalidade da lei dos metadados. Mas o que são, afinal, os metadados gerados pelo telemóvel ou computador? Esclareça as dúvidas.

02 setembro 2022
Metadados

iStock

Em meados de abril, um acórdão do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de alguns artigos da “lei dos metadados”. Os argumentos a favor e contra a decisão têm-se multiplicado. Em junho, o Governo apresentou uma proposta de lei. Até que ponto os consumidores devem preocupar-se com este rasto digital e com a respetiva revisão legislativa? Voltar ao topo

O que são metadados?

Metadados são o rasto digital de todos os dados que são enviados ou de todas as comunicações que são efetuadas. Quando estão em causa as comunicações móveis, os metadados referem-se aos dados de tráfego (que permitem identificar os equipamentos usados e saber a duração, a origem ou o destino de uma chamada telefónica ou de uma troca de mensagens, por exemplo) e da localização estimada de dispositivos tais como telemóveis ou computadores.

Nos ficheiros de texto, áudio, fotografias e vídeos, por sua vez, os metadados são uma espécie de anotação digital que permite catalogar os documentos. Essa informação permite saber, por exemplo, a data da criação do ficheiro e o seu formato, quando foi capturada determinada foto ou filmado aquele vídeo e a respetiva localização, sem nunca revelar o seu conteúdo original.

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Qual a diferença entre dados, metadados e dados pessoais?

Dados são todas as informações guardadas na memória dos chamados dispositivos “terminais” – como é o caso do computador ou do telemóvel, mas também dos servidores das empresas – e englobam ficheiros de vídeo, som ou imagem, mensagens ou fotografias, entre outros. Metadados são o que permite saber mais sobre os dados: onde foram captados, para quem uma mensagem foi enviada e quando, etc.

À luz da lei em vigor, os metadados têm de ser guardados durante um ano, período durante o qual podem ser transmitidos pelos operadores de telecomunicações no âmbito de investigações às entidades competentes. Aos operadores não é permitido o acesso aos dados, a menos que exista uma autorização judicial para o efeito.

Coisa diferente são os dados pessoais, para os quais foi inclusive criado o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). Estes dizem respeito à informação relativa a uma pessoa, e que pode ser usada para identificá-la direta ou indiretamente. Englobam-se neste grupo, entre outros, dados de registo num serviço, como o nome, a morada, a idade, o sexo, o endereço de e-mail ou o número de um cartão de identificação. Mesmo que tenha sido usado um pseudónimo – técnica em que se substituem as informações que identificam uma pessoa por dados alternativos, sendo sempre possível fazer essa associação posteriormente –, se este continuar a ser passível de identificar alguém, essa informação continua a ser considerada um dado pessoal.

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Durante quanto tempo os operadores guardam os metadados?

Os operadores de telecomunicações estão obrigados a manter armazenados os metadados criados pelos seus clientes durante um ano para fins de investigação e prevenção de crimes graves. Este período começa a contar a partir do momento em que está concluída a comunicação de dados. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, durante esse período, ninguém lhes pode aceder (nem sequer os fornecedores do serviço), a menos que tenham autorização judicial, e somente quando forem “indispensáveis” para a prova e se disserem respeito a suspeitos, arguidos, intermediários ou vítimas (e, neste caso, se houver consentimento efetivo ou presumido). Voltar ao topo

O meu telefone produz metadados?

Sim. São produzidos metadados sempre que é feita alguma comunicação ou envio de dados. No caso dos telemóveis, mesmo que não estejam ligados à internet, basta fazer uma chamada telefónica para que tal suceda. Voltar ao topo

Se desligar o GPS no telemóvel estou a barrar o acesso aos metadados?

Apenas estará a diminuir a precisão da localização do dispositivo. Todos os restantes metadados (histórico de chamadas, tráfego de internet, etc.) continuarão a ser gerados. E mesmo a localização estimada continua a ser feita, uma vez que é determinada pelo posicionamento em triângulo das antenas emissoras. Voltar ao topo

Posso consultar os meus metadados?

Não. Os metadados só são acessíveis, neste caso em concreto, pelos operadores ou pelas entidades responsáveis pela investigação criminal que tenham o respetivo acesso requerido pelo Ministério Público. Os operadores de telecomunicações guardam os metadados e têm a obrigação de os transmitir às entidades competentes no âmbito de qualquer processo judicial no caso de tal acesso ser ordenado ou autorizado por despacho do juiz de instrução do processo. Contudo, trata-se de informação que não é minimamente inteligível para o utilizador comum. Voltar ao topo

Posso apagar os meus metadados?

Não. Os metadados não podem ser apagados durante um ano. Findo este, os operadores de telecomunicações tratam de os eliminar. Voltar ao topo

Posso não produzir metadados?

A única forma de evitar produzir metadados é desligando os equipamentos. Os metadados são produzidos a partir do momento em que é feita qualquer comunicação, ou enviados quaisquer dados. Voltar ao topo

5 tópicos para compreender a lei dos metadados

1. O que é a lei dos metadados?

A chamada “lei dos metadados” define o modo como se processa a conservação dos dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. Na prática, esta lei regula o modo como é efetuada a conservação e a transmissão de dados de identificação, tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e coletivas, bem como da informação conexa necessária para identificar o assinante ou utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.

2. Qual o percurso da lei até agora?

A Lei n.º 32/2008, de 17 de junho, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que visava a harmonização de medidas de conservação de dados relativos a comunicações e sua transmissão às autoridades com competência criminal. Contudo, a diretiva foi declarada inválida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), através de um acórdão datado de 8 de abril de 2014. Segundo o TJUE, em causa estavam determinados direitos, tais como o direito à privacidade e proteção dos dados pessoais, tendo por base a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade daquelas normas, com força obrigatória geral, a procuradora-geral da República veio declarar o referido acórdão nulo. Em resposta, o Tribunal Constitucional concluiu que a mesma carecia de legitimidade para o efeito. Em junho, o Governo apresentou uma proposta de lei, que está a ser discutida no âmbito do respetivo grupo de trabalho. Aguarda-se um texto final, bem como a eventual aprovação.

3. Que artigos da lei foram declarados inconstitucionais?

A lei dos metadados foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional devido ao exposto em três artigos:

  • o Artigo 4.º, que identifica as categorias de dados a armazenar pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações;
  • o Artigo 6.º, que obriga à sua conservação pelo período de um ano, a contar da data da conclusão da comunicação;
  • o Artigo 9.º, que estabelece as condições de transmissão de dados armazenados autorizada por despacho do juiz de instrução e que tenha sido requerida pelo Ministério Público ou por autoridade de polícia criminal competente.

O Tribunal Constitucional (TC) entende que as normas violam o princípio da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar e o sigilo das comunicações e que guardar, durante um ano, de uma forma generalizada, dados relativos ao tráfego ou à localização de pessoas restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa.

4. Por que razão a declaração de inconstitucionalidade da lei dos metadados é polémica?

A decisão do Tribunal Constitucional é polémica, pois há quem entenda que a declaração de inconstitucionalidade poderá ser suscitada sempre que os metadados tenham sido prova essencial num processo (quer se trate de um processo em curso ou que já tenha transitado em julgado – ou seja, quando já não é possível recorrer). Nos termos do acórdão, tais provas nulas não poderão ser utilizadas em tribunal.

Quando uma lei é declarada inconstitucional, de acordo com o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, aplica-se a lei anterior (se for mais favorável). Como não existe lei anterior a esta, entende-se que “existe um vazio legal com efeitos retroativos” à data de criação do diploma, ou seja, 2008. Por outras palavras, não se aplica qualquer lei.

5. As escutas telefónicas ordenadas pelos juízes são consideradas inconstitucionais também?

Não, porque as escutas telefónicas são dados e não metadados. O recurso à interceção e gravação de conversas ou comunicações telefónicas, desde que requerido pelo Ministério Público e devidamente autorizado pelo juiz de instrução, nos termos do Código de Processo Penal, continua a ser admissível em determinadas situações. Para tal, é preciso que haja razões para crer que esses elementos de prova são indispensáveis à descoberta da verdade ou que a prova seria impossível ou muito difícil de obter de outra forma.

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