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Criopreservação: vale a pena conservar as células estaminais?

Os pais são, muitas vezes, confrontados com a dúvida de optarem pela criopreservação de sangue do cordão umbilical. O objetivo é, no futuro, poderem vir a tratar várias doenças. Mas o sucesso não é garantido. Conheça o processo de criopreservação e esclareça as principais dúvidas.

21 junho 2024
Células estaminais

iStock

A criopreservação de sangue do cordão umbilical é uma decisão pessoal dos futuros pais. A ideia é armazenar as células estaminais do bebé para que, no futuro, possam vir a possibilitar o tratamento de variadas doenças. Para que possam tomar uma decisão consciente, é imprescindível que os pais estejam informados sobre o processo de criopreservação e as suas potencialidades. Voltar ao topo

O que é o sangue do cordão umbilical?

Depois do nascimento do bebé, e uma vez cortado o cordão umbilical, algum sangue permanece nos vasos sanguíneos da placenta e do fragmento do cordão que lhe permanece ligado. Esse sangue designa-se por "sangue do cordão umbilical" ou, de forma abreviada, “sangue do cordão”. O sangue do cordão contém todos os elementos normais do sangue, desde glóbulos vermelhos (eritrócitos), a glóbulos brancos (leucócitos), plaquetas e plasma. É, igualmente, rico em células estaminais hematopoiéticas, que têm potencial para dar origem a todos os outros tipos de células sanguíneas. 

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O que são células estaminais hematopoiéticas?

As células estaminais hematopoiéticas funcionam como uma espécie de sistema intrínseco reparador, dividindo-se mais ou menos sem limite, de forma a repor outras células sanguíneas. Esta é a razão pela qual apresentam potencial terapêutico para o tratamento de várias doenças. Entre elas, contam-se disfunções hematológicas, doenças metabólicas e doenças imunológicas, tais como mielomas, leucemias, linfomas e síndromes mieloproliferativos. Os doentes com estas condições clínicas, regra geral, recebem elevadas doses de quimioterapia e radioterapia para eliminar as células doentes presentes no sangue. De seguida, os médicos utilizam as células estaminais hematopoiéticas para repovoar com células saudáveis a medula óssea destes doentes.

Transplantações alogénica e autóloga

As células estaminais hematopoiéticas utilizadas para transplantes podem ser obtidas de diferentes fontes, como medula óssea, sangue periférico e sangue do cordão umbilical.

transplante de células estaminais hematopoiéticas pode ser realizado utilizando células de outra pessoa, como elementos da família ou dadores não relacionados. Estes procedimentos são conhecidos com “transplantação alogénica”. Em alternativa, o transplante pode realizar-se com células estaminais hematopoiéticas do próprio doente. Neste caso, estamos perante uma “transplantação autóloga”.

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Para que serve o sangue do cordão umbilical?

As células presentes no sangue do cordão umbilical utilizam-se para o tratamento de vários tipos de doenças, como disfunções hematológicas e doenças imunológicas. 

A dádiva de sangue do cordão umbilical tem como principal objetivo a realização de um transplante de qualquer doente do mundo que dele precise e que seja compatível.

Como se colhe o sangue do cordão umbilical

O sangue do cordão, não necessário ao bebé ou à mãe, é colhido para um saco estéril de forma indolor e sem riscos. O saco é depois enviado para o banco de sangue do cordão, onde será processado e testado. Quando a unidade de sangue é considerada adequada para transplantação, é congelada em azoto líquido, numa temperatura que mantém a viabilidade da estrutura das células e permite a criopreservação a longo prazo.

Segundo a informação disponibilizada no "Guia para os Pais", elaborado pelo Conselho da Europa, Comité Europeu para a Transplantação de Órgãos (CD-P-TO), “os estudos têm demonstrado que unidades de sangue do cordão umbilical armazenadas por mais de 23 anos poderão ainda ser viáveis.” Uma publicação recente demonstrou que esse período de viabilidade poderá ser aumentado para 27 anos. De forma geral, a grande maioria dos bancos permite a criopreservação durante 25 anos.

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Vantagens e desvantagens de usar o sangue do cordão umbilical

Usar o sangue do cordão umbilical para o tratamento de doenças tem várias vantagens conhecidas.

  • É mais fácil fazer a colheita do sangue do cordão umbilical do que da medula óssea. Além disso, a colheita de medula óssea apresenta alguns riscos e pode ser dolorosa para o dador. Pelo contrário, a colheita de sangue do cordão umbilical é indolor e completamente segura para a mãe e para o recém-nascido, não alterando quaisquer procedimentos associados ao parto.
  • As unidades de sangue do cordão são colhidas e armazenadas antecipadamente. Encontram-se imediatamente disponíveis para qualquer doente que necessite de um transplante urgente. No caso da medula óssea e das células estaminais do sangue periférico, estas apenas são colhidas num dador quando existe um doente que necessite de um transplante.
  • O sangue do cordão umbilical permite uma compatibilidade menos exigente. Ou seja, não necessita de um grau de compatibilidade entre dador e recetor tão elevado, uma vez que o sistema imunológico do recém-nascido é menos maduro. Por este motivo, transplantes realizados com unidades de sangue do cordão umbilical compatíveis são mais improváveis de causar reações adversas no recetor. A razão prende-se com o facto de ser menor a capacidade de as células do dador reconhecerem as células do recetor como “estranhas”.

Como em tudo, há sempre desvantagens a considerar ao utilizar o sangue do cordão umbilical para o tratamento de doenças.

  • A quantidade de células que se consegue colher numa unidade de sangue do cordão é relativamente pequena. Para pessoas com peso mais elevado, sejam crianças maiores ou adultos, estas unidades podem não possuir um número suficiente de células. Assim sendo, torna-se necessário recorrer a outras fontes de células progenitoras hematopoiéticas. Nestas situações, a busca por um dador compatível é possível, através da pesquisa em bases de dados partilhadas pelos bancos internacionais, que armazenam unidades para utilização alogénica (ou seja, células de outras pessoas), de modo semelhante ao que acontece com as bases de potenciais dadores de medula óssea (CEDACE).
  • Existem limitações ao transplante destas células no próprio doente (transplante autólogo). Por exemplo, em determinadas situações, se já na altura do nascimento existirem alterações celulares associadas ao desenvolvimento da doença, estas estarão também presentes nas células recolhidas, limitando a sua utilidade.
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Armazenar sangue: bancos públicos ou privados?

Existem diferentes tipos de bancos, públicos e privados, que armazenam sangue do cordão umbilical. Para poder tomar decisões informadas, é importante compreender as diferenças entre eles. Em Portugal, não é possível doar, simultaneamente, para o banco público e para o banco privado. Por um lado, o volume de sangue colhido em cada parto é limitado; por outro lado, os critérios de aceitação e os objetivos destes dois tipos de bancos são diferentes.

Em Portugal, o banco público de células do cordão umbilical (BPCCU) e os bancos privados cumprem, em matéria de princípios, de organização e de rigor técnico, as exigências especificadas na legislação nacional. Adicionalmente, os bancos privados podem apresentar acreditação internacional, o que propicia a realização de inspeções regulares para garantir que são cumpridos padrões de qualidade internacionais específicos exigidos.

Bancos públicos

Existem bancos públicos, sem fins lucrativos, que armazenam unidades doadas para serem utilizadas por qualquer doente com compatibilidade adequada. A unidade de sangue poderá ser utilizada pelo próprio dador, mas apenas se esta ainda se encontrar disponível caso o dador precise de um transplante.

Em Portugal, a colheita de sangue de cordão umbilical para o Banco Público de Células do Cordão Umbilical (BPCCU) é realizada em quatro hospitais:

  • Centro Hospitalar de São João – no Porto;
  • Hospital Pedro Hispano – Unidade Local de Saúde de Matosinhos;
  • Maternidade Júlio Dinis – Centro Hospitalar do Porto;
  • e Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca – na Amadora. 

A doação é totalmente gratuita para a dadora. Os encargos associados à colheita, ao processamento, à análise, à criopreservação e ao armazenamento das unidades doadas são da responsabilidade do Banco Público de Células do Cordão Umbilical.

Quem pode doar 

Qualquer grávida sem antecedentes de comportamentos ou fatores de risco ou de doenças congénitas pode ser candidata a dadora de sangue de cordão umbilical. A dádiva é completamente segura para a mãe e para o recém-nascido, não alterando quaisquer procedimentos associados ao parto.

A dádiva ocorre apenas depois do nascimento e não requer a colheita de amostras de sangue ao bebé. Será apenas solicitada uma amostra de sangue materno após o parto. A amostra colhida será armazenada caso preencha todos os requisitos de qualidade e segurança, nacionais e internacionais.

Para que o transplante resulte é necessário que a unidade de sangue de cordão contenha um número de células suficiente e que estas apresentem capacidade proliferativa. Se a unidade não apresentar as características desejadas poderá vir a ser utilizada em investigação ou rejeitada. O Banco Público de Células do Cordão Umbilical mantém confidenciais todos os registos de dados associados à dadora e ao bebé, protegendo a privacidade da família.  

Bancos privados ou de uso familiar

Os bancos de sangue do cordão para uso familiar colhem, processam e armazenam unidades de sangue do cordão para uso exclusivo da própria criança ou de alguém na sua família que venha a necessitar de um transplante de células estaminais hematopoiéticas no futuro. 

A maioria destes bancos são instituições privadas com fins lucrativos. Para aceder aos seus serviços, as famílias pagam para garantir a colheita, o processamento e o armazenamento do sangue do cordão do seu bebé. Estas unidades não ficam disponíveis para uso público através dos registos nacionais ou internacionais.

Os preços dos serviços prestados pelos bancos privados podem variar entre diferentes países e de um banco para outro.

Em Portugal, os bancos privados habitualmente cobram entre 1300 e 1500 euros pela criopreservação-padrão de células estaminais do sangue do cordão umbilical durante um número determinado de anos (geralmente 25 anos). Adicionalmente, a grande maioria destes bancos privados também possibilita a criopreservação de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical. Atualmente existe muita investigação a decorrer com células do tecido do cordão, porém a sua eficácia ainda não foi devidamente confirmada e ainda não são utilizadas para terapias médicas. Caso os pais optem por criopreservar simultaneamente as células do sangue e do tecido do cordão umbilical, os preços podem ascender a valores de cerca de 2700 euros, dependendo das características do serviço prestado (método padrão versus método melhorado).

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Planear a criopreservação com antecedência

Optar pela criopreservação do sangue do cordão é uma decisão pessoal, que requer ponderação e algum planeamento. Aconselhe-se atempadamente com o seu médico obstetra, com a sua enfermeira especialista em saúde materna e obstetrícia ou no seu centro de saúde.

A preparação da criopreservação deve ser feita algumas semanas, ou até meses, antes do nascimento para salvaguardar os casos de partos antecipados. Desta forma, haverá tempo para tratar de toda a documentação necessária. 

Antes de avançar, tenha em conta algumas considerações.

O armazenamento de sangue do cordão umbilical permite que estas células fiquem disponíveis para o tratamento de doentes com patologias e condições médicas específicas, podendo salvar vidas.

O armazenamento do sangue do cordão do recém-nascido para uso do próprio ou da família direta, não deve ser encarado como uma forma de “seguro biológico”. Aliás, tenha presente que a probabilidade destas unidades de sangue virem a ser utilizadas pelo próprio doente é bastante reduzida:

  • na maioria dos casos, estes doentes sofrem de doenças genéticas ou congénitas e, nestes contextos, os genes alterados poderão estar potencialmente presentes no sangue do cordão do bebé. Por essa razão, a utilização destas células poderá não ser segura para transplante, sendo preferíveis as células estaminais de um dador saudável;
  • crianças crescidas e adultos necessitam de um número de células superior ao tipicamente existente numa única unidade de sangue do cordão umbilical. Nestes casos, mesmo que os pais decidam armazenar uma unidade de sangue do cordão umbilical do seu bebé, a mesma poderá não ser suficiente para que um transplante seja bem-sucedido, e serão necessárias unidades adicionais armazenadas no banco público.

Segundo o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, o banco privado de sangue do cordão umbilical pode ser considerado quando há conhecimento de um membro da família com uma condição médica, maligna ou genética, em que se poderia potencialmente beneficiar do transplante de sangue do cordão umbilical.

Os custos de colheita, processamento e armazenamento de sangue do cordão em bancos de uso familiar/privado são elevados e são pagos pelos pais.

As indicações atuais para o transplante de sangue do cordão umbilical são limitadas a disfunções hematológicas malignas e não malignas e a doenças imunológicas selecionadas. Por isso, as famílias devem ser cautelosas no que diz respeito à especulação e respetiva publicidade de potenciais futuras aplicações de células estaminais em terapias que não tenham sido ainda validadas.

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