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Centros auditivos: diagnóstico é feito por profissionais não habilitados

A DECO PROTESTE enviou um cliente-mistério a 17 centros auditivos, à procura de soluções para ouvir melhor. Todos recomendaram próteses adequadas, mas, muitas vezes, o diagnóstico esteve a cargo de profissionais não habilitados, a entrega dos exames foi recusada, e o “orçamento” resumiu-se a um número, escrito num cartão de visita.

26 janeiro 2023 Exclusivo
Consulta no centro auditivo

iStock

A DECO PROTESTE  enviou um colaborador com problemas auditivos a 17 centros auditivos, em busca de soluções para o seu caso. O objetivo não foi avaliar a qualidade dos atos, nem dos aparelhos, mas verificar se os centros seguem as boas práticas de diagnóstico e se propõem a solução mais adequada para a pessoa.

Em Portugal, há poucos dados de prevalência de problemas auditivos, sendo os mais recentes os dos Censos 2021: das pessoas que responderam às perguntas facultativas sobre as dificuldades do dia-a-dia, 16% reportaram problemas auditivos, na maioria, leves. A frequência aumenta com a idade, agravando-se a partir dos 40 anos. Segundo o Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em 2015, cerca de 42% dos idosos tinham dificuldade em ouvir, situação que, provavelmente, não melhorou, dado termos uma população ainda mais envelhecida. 

Não admira, pois, que os anúncios de próteses auditivas sejam protagonizados, sobretudo, por pessoas mais velhas. Estes aparelhos não reparam as lesões que levaram à perda da audição, mas podem atenuar os seus efeitos. Aparelhar o ouvido não significa ficar com o ouvido “bom”, mas pode restabelecer um canal de comunicação com o mundo e, assim, melhorar o bem-estar e a qualidade de vida. Para isso, o problema tem de ser bem diagnosticado, e o aparelho adaptado às necessidades do utente. O ideal é começar por consultar o médico e fazer os exames necessários. Se a solução for uma prótese, terá de passar inevitavelmente por um centro auditivo. 

Profissionais (des)habilitados

Quando entra numa destas lojas, o consumidor espera que o seu problema de saúde auditiva seja avaliado, isto é, espera um diagnóstico. Segundo a lei, este apenas pode ser feito por otorrinolaringologistas e técnicos de audiologia, também designados por audiologistas. Mas isso nem sempre acontece. O estudo revela que, muitas vezes, a tarefa é entregue a audioprotesistas. São profissionais que “apenas podem intervir após a fase final do diagnóstico, realizado por um profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, e apenas para a aplicação dos aparelhos auditivos e sua programação, com vista ao correto funcionamento”, esclarece a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), entidade responsável pela supervisão destes serviços.

A DECO PROTESTE penalizou os estabelecimentos em que o diagnóstico não foi feito por um audiologista, e procurou obter um comentário dos seus responsáveis, mas poucos responderam.

A Otovida comprometeu-se  a tomar medidas: “A situação descrita vai totalmente contra as orientações transmitidas aos funcionários [...]. Iremos reforçar junto dos mesmos os procedimentos de atendimento”, refere.

Já a Excellent Ótica reforça a qualidade e experiência do seu audioprotesista, dizendo que, quando for necessária prescrição ou relatório, este “encaminha para audiologista ou médico otorrino”.

Da Audição Perfeita, dizem que os técnicos se limitam a ler e interpretar dados. “A responsável pelos audiogramas é a audiologista.” Até pode ser, mas, na visita avaliada, o cliente não levava exames e a pessoa que conduziu o processo não se identificou como audiologista.

Avaliação incompleta

Passando à parte prática. Para bem avaliar a perda auditiva do utente, o profissional deve colocar-lhe questões relevantes sobre a sua história clínica, observar o ouvido (otoscopia) e fazer exames complementares de diagnóstico.

A maioria fez as perguntas essenciais para conhecer o paciente, como a idade, desde quando usa aparelho, em que situações ouve pior, se costuma ter pus nos ouvidos e se teve alguma doença grave. O que preocupou menos profissionais foi saberem se a pessoa havia consultado o médico e/ou se tinha consigo uma prescrição médica. Esta avaliação é importante, porque os problemas de audição podem estar associados a outras doenças que precisem de tratamento.

A otoscopia, visualização do ouvido com ajuda de um aparelho que tem uma luz na ponta, é fundamental para perceber se o problema tem origem ou é agravado por algum corpo estranho ou excesso de cera no canal auditivo. Em três estabelecimentos, saltaram este procedimento, passando diretamente para a determinação do grau de perda auditiva, através de audiograma. O exame deve ser realizado numa sala insonorizada – aconteceu em todos os casos –, e incluir as vertentes “som puro” (audiograma tonal) e “voz humana” (audiograma vocal). É com o último que se avaliam as necessidades ao nível da perceção das palavras ditas. Todos cumpriram a primeira parte, mas só sete, a segunda.

Dados pessoais por mãos alheias

Os centros visitados realizaram exames médicos, nomeadamente, audiogramas. O cliente solicitou-os, mas só viu a sua pretensão satisfeita pela Wells. Os restantes recusaram a entrega. A DECO PROTESTE critica esta recusa, por considerar que os dados de saúde pertencem ao consumidor, mesmo não lhe tendo sido cobrados.

Também para a Entidade Reguladora da Saúde, o acesso à informação é um direito do utente de qualquer serviço de saúde, esclarecendo que "por direito de acesso, deve entender-se não só o direito de consulta da informação de saúde, mas também o direito de reprodução dessa informação (de obtenção de cópias, por exemplo)".

No Regulamento Geral da Proteção de Dados, tal informação é considerada sensível e, até, exige cuidados especiais por parte de quem a armazena.

Aparelhos auditivos sem orçamento 

Chegada a hora de recomendar uma solução, o profissional deve ter em consideração as necessidades do utente. No caso, já usava aparelho retroauricular – o que se prende atrás da orelha – nos dois ouvidos. Estava habituado a manuseá-lo e não manifestou preocupações de ordem estética. O mais adequado seria, pois, manter a solução, até porque estes equipamentos são mais baratos, mais robustos e, em geral, sofrem menos avarias do que os que se introduzem no ouvido. Foi essa a proposta dos 17 centros em análise: dois aparelhos retroauriculares digitais e programáveis. 

Passo seguinte: saber preços e obter um orçamento por escrito. Os exames foram gratuitos em todos os locais visitados. Já no valor dos aparelhos, as diferenças são abismais. A solução para o mesmo problema auditivo tanto pode custar 2290 euros, como 6480 euros. Por isso, convém pedir orçamentos em várias lojas e comparar os preços e as características dos aparelhos. Mas, a avaliar pelo estudo, a tarefa pode não ser tão simples como parece. Em seis centros, não entregaram o orçamento por escrito, apesar de o cliente o ter pedido. Nalguns casos, os profissionais limitaram-se a entregar o preço manuscrito, por vezes, num cartão do centro.

Consumidores exigem entrega de exames e orçamentos

Atendimento por profissionais habilitados, direito a receber os exames médicos e entrega de orçamento completo, quando solicitado, são as principais exigências dos consumidores em relação aos centros auditivos, tendo em conta as conclusões do estudo.

A DECO PROTESTE enviou os resultados à Entidade Reguladora da Saúde, dando conta dos casos em que a lei não foi cumprida. E os consumidores exigem que tome medidas e reforce a fiscalização. 

Os resultados dos exames médicos são dados de saúde, pelo que pertencem ao utente, mesmo que este não tenha pago para os realizar. A Carta dos Direitos e Deveres dos Utentes, da Entidade Reguladora da Saúde, é clara, definindo o acesso à informação como um direito fundamental para o exercício de outros, como o de obter uma segunda opinião médica. A recusa da entrega é inadmissível.

O orçamento é importante para comparar as características e os preços dos aparelhos (bem como eventuais serviços associados), e para pedir a comparticipação dos aparelhos à Segurança Social. O preço escrito num cartão de visita não é um orçamento, nem nesta, nem qualquer outra atividade.

 

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