Mercadores de Veneza pela Worldcoin

Publicado a 22 março 2024
cláudia maia
Cláudia Maia Diretora de Publicações

Quais mercadores de Veneza, cidadãos comuns hipotecam corpo (e alma) a troco de um rendimento que ambicionam multiplicar sem esforço. Mas, tal como na obra de Shakespeare, o resultado pode ser bem diferente do esperado.

iStock Grande plano de olhos de mulher; scan da íris no olho esquerdo; alusão a worldcoin
A plataforma criada pelo "pai" do ChatGPT assegura que a leitura da íris serve apenas para distinguir os seres humanos dos robôs digitais e que o equipamento não guarda memória das imagens recolhidas. Mas não existem garantias.

A explosão da Worldcoin e a corrida às criptomoedas têm colocado em destaque questões sobre a privacidade e a proteção de dados, especialmente no contexto da recolha de informação biométrica. E trouxeram à tona um debate urgente sobre os limites éticos e legais desta prática em Portugal.

A multinacional Worldcoin tem seduzido milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo portuguesas, a trocarem a fotografia da sua íris por criptomoedas, sob a promessa de ganhos financeiros rápidos e fáceis. Quais mercadores de Veneza, cidadãos comuns hipotecam corpo (e alma) a troco de um rendimento que ambicionam multiplicar sem esforço. Mas, tal como na obra de Shakespeare, o resultado pode ser bem diferente do esperado.

A plataforma criada pelo "pai" do ChatGPT assegura que a leitura da íris serve apenas para distinguir os seres humanos dos robôs digitais e que o equipamento não guarda memória das imagens recolhidas. Mas não existem garantias de que seja mesmo assim. Pelo contrário, a recolha indiscriminada destes dados e a falta de transparência sobre a utilização que lhes é dada têm suscitado reservas acerca da atividade da Worldcoin e já valeram, da parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados, a garantia de que está em curso um processo de averiguação.

Contudo, atendendo à gravidade dos riscos em causa – roubo de identidade e acesso a dados bancários ou a serviços de saúde, por exemplo –, a comercialização de informação tão distintiva quanto a íris deveria contar com uma intervenção mais musculada daquela entidade.

A DECO PROteste é favorável à suspensão de todas as atividades da Worldcoin que envolvam recolha de dados biométricos, à semelhança do que fez a Agência Espanhola de Proteção de Dados, até que exista uma clarificação de todo este processo. Adicionalmente, defende a criação de legislação específica para criptomoedas, de modo a proteger quem recorre a estes produtos.

Enquanto isto não acontece, fica a questão aos potenciais mercadores de Veneza deste País, que equacionam hipotecar algo tão valioso e único como a sua íris: que riscos estão dispostos a correr por 70 euros?

Sabia que...?

A recolha indiscriminada de dados e a falta de transparência sobre a sua utilização já valeram um processo de averiguação pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.

 

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