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Trabalho temporário: o que diz a lei

O trabalho temporário não cria vínculo duradouro com a empresa, mas tem regras. Conheça-as.

03 junho 2024
trabalho temporario

iStock

Dez anos passaram desde que Elisa, nome fictício, iniciou o que a linguagem empresarial designa como um “novo desafio” na empresa de telecomunicações onde trabalha. Tinha deixado as funções anteriores e seguia para uma nova missão como assistente comercial, desta vez a clientes fixos empresariais. Para trás, parecia-lhe, tinha ficado um trabalho muito precário e rotativo. A sua situação, porém, não deixaria de ser precária. Tinha à sua espera uma sucessão de contratos a termo, renováveis, não com a empresa para a qual efetivamente trabalha, mas com várias empresas de trabalho temporário, que se sucedem umas às outras em novos contratos a termo. “No final de cada contrato, recebemos uma carta pré-preenchida do subsídio de desemprego. Chegávamos a recebê-la pelo correio, mas já sabíamos que era para ignorar, porque o contrato havia de ser renovado depois”, conta, em entrevista telefónica. “A empresa seguinte volta a inscrever-nos na Segurança Social.” E assim sucessivamente. “A parte boa é que, ao mudarmos de empresa de trabalho temporário, recebemos uma indemnização correspondente ao tempo que trabalhámos na empresa anterior. Provavelmente será uma solução mais barata para a empresa para a qual efetivamente trabalhamos.”

Uma forma de trabalho precário 

Esta situação é extrema, mas é um expediente do qual se socorrem muitas empresas em Portugal: para não criarem um vínculo diretamente com os trabalhadores, as empresas recorrem a uma espécie de subcontratação. Os trabalhadores ficam apenas ligados a uma empresa de trabalho temporário. O caso de Elisa está cheio de ilegalidades: por um lado, é contratada para satisfazer uma necessidade permanente da empresa que utiliza o seu serviço; por outro, excede em muito o tempo máximo que a lei permite para esta solução, que é de quatro anos: se for excedido, o trabalhador passa a integrar os quadros da empresa para a qual presta, efetivamente, serviço. Ou assim deveria ser, de acordo com a lei. 

O trabalho temporário é, como espelha este caso, uma forma de trabalho precário, à semelhança dos contratos a termo, e traduz também alguma incerteza para o trabalhador. Com a diferença de que há uma empresa que contrata alguém para o colocar ao serviço de outros. É uma espécie de subempreitada: o trabalhador não fica às ordens de quem lhe paga, mas de outra entidade, que celebra um contrato com o seu empregador. O trabalhador recebe o salário da empresa de trabalho temporário, que também é quem detém o poder disciplinar, mas tem de obedecer às ordens da entidade utilizadora, que tem os poderes de autoridade e direção. 

Elisa não tem como escapar a este triângulo: se denunciar a sua situação às autoridades fiscalizadoras do trabalho, sujeita-se a cair no desemprego. Além disso, este mecanismo está previsto na lei. Mas deveria destinar-se apenas à satisfação de necessidades pontuais de mão-de-obra que não justificassem a celebração de contratos de trabalho por parte de quem vai receber os serviços do trabalhador. Porém, a realidade é outra. Há quem recorra ao trabalho temporário de forma continuada. É o caso do nosso exemplo.

Elisa recorda o que significa esta situação de impasse permanente em que vive, tal como outros colegas de trabalho: “Não temos avaliações. De vez em quando, há algum feedback por parte das nossas chefias, mas não existe essa obrigatoriedade. Também não existe progressão. Os trabalhadores internos têm um acréscimo no vencimento, creio que a cada cinco anos, e nós, os externos, não temos nada disso. Há muita desigualdade.” Esta trabalhadora ganha o salário mínimo com alguns acrescentos. “O meu salário-base é o ordenado mínimo. Recebo dois subsídios à parte; portanto, o meu salário cresce apenas em função dos aumentos de ordenado mínimo que são feitos por decreto governamental.”

Limite de quatro anos de contrato

De acordo com a lei, podem ser celebrados contratos por tempo indeterminado para cedência temporária ou de trabalho temporário. No primeiro, há um vínculo sem termo entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador. Já no segundo – é o caso de Elisa –, o trabalhador é contratado a termo durante o período solicitado por uma empresa utilizadora. O contrato por tempo indeterminado para cedência temporária tem de ser celebrado por escrito, em dois exemplares, com:

  • identificação, assinatura e morada das partes;
  • a indicação de que o trabalhador aceita a situação;
  • a descrição genérica das funções a exercer e da qualificação profissional adequada;
  • a área geográfica na qual o trabalhador pode exercer funções;
  • e a sua retribuição mínima, entre outros elementos.

O contrato de trabalho temporário implica, além da identificação, das assinaturas e das moradas, a indicação dos factos concretos que o justificam, ou seja, o motivo invocado pelo utilizador para o celebrar. Deve ainda incluir a atividade contratada, o local e o período normal de trabalho, a retribuição, a data de celebração e o início e termo do contrato. Em qualquer das situações, o seguro de trabalho é da responsabilidade da empresa de trabalho temporário. Este cenário tem o limite de quatro anos, mas há exemplos, como o de Elisa, em que acaba por se tornar um provisório definitivo. O trabalhador pode reagir. Mas, em regra, não o faz por medo de perder o emprego e ficar numa situação ainda pior.

Em que situações é possível contratar um trabalhador temporário?

A empresa utilizadora terá de provar que se verifica o motivo que a levou a recorrer a esta solução. Se não o fizer, e vier a provar-se que a alegação era infundada ou a razão indicada fugir aos casos permitidos por lei, considera-se que há um contrato de trabalho sem termo entre o trabalhador e o utilizador. Existe outra limitação: não é permitido um contrato de utilização para um serviço que tenha sido desempenhado por um trabalhador alvo de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho nos 12 meses anteriores.

  • Substituição de um trabalhador ausente, que se encontre temporariamente impedido de trabalhar ou a gozar licença sem retribuição.
  • Substituição de um trabalhador em relação ao qual esteja em apreciação uma ação judicial em que se avalia a licitude do seu despedimento.
  • Substituição de um trabalhador que, temporariamente, passe de tempo completo para tempo parcial.
  • Atividade sazonal ou que apresente um ciclo anual de produção irregular face às características do mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima.
  • Acréscimo excecional de atividade da empresa.
  • Execução de uma tarefa ocasional ou de um serviço não duradouro.
  • Preenchimento, durante o máximo de seis meses, de um posto de trabalho enquanto decorre o processo de recrutamento para o lugar.
  • Necessidade intermitente de mão-de-obra devido a flutuações da atividade durante dias ou partes do dia, desde que a utilização não ultrapasse, semanalmente, metade do período de trabalho mais comum na empresa utilizadora.
  • Projeto temporário, como a instalação ou a reestruturação de empresas ou estabelecimentos, montagem ou reparação industrial.

Como pode o trabalhador reagir a abusos?

Num mundo laboral justo, o trabalhador, ao verificar que o que lhe é proposto não respeita a lei, deveria poder opor-se e, sem riscos de sofrer retaliações ou perder o emprego, solicitar alterações. E a outra parte procuraria respeitar este pedido, mesmo sem descurar os seus interesses. 

Mas, na prática, as coisas não se passam assim. O espaço de ação é curto, mas a DECO PROteste aconselha que os trabalhadores estejam permanentemente atentos, verifiquem se são respeitados os requisitos e a duração máxima permitidos por lei e, caso entendam conveniente, denunciem a situação à Autoridade para as Condições do Trabalho. Mais tarde, quando eventualmente as outras partes envolvidas na relação (a empresa de trabalho temporário ou a empresa utilizadora) lhe quiserem pôr termo, podem recorrer aos tribunais, para procurar repor a legalidade.  

Provavelmente, não será complicado provar que a lei não foi respeitada (por exemplo, não se tratava de uma necessidade temporária ou foi ultrapassado o prazo máximo permitido por lei) e, com isso, conseguir manter ou recuperar o seu posto de trabalho ou obter uma compensação como se estivesse ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo. Mas o processo pode ser complexo e moroso. Todas estas circunstâncias levam a que muitos trabalhadores acabem por não agir. 

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