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Consumo de álcool e desporto: o que precisa de saber

O álcool é a substância psicoativa mais utilizada em todo o mundo, mas o seu consumo está associado ao risco de desenvolvimento de mais de 200 doenças. E no desempenho desportivo, qual é o impacto?

07 dezembro 2023
Grande plano de canecas de cerveja a brindar

iStock

Os portugueses com 15 ou mais anos consomem, em média, 12 litros de álcool puro por ano, um dos valores mais elevados entre os países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). De acordo com o estudo Prevenir a Utilização Nociva do Álcool, desta organização, este valor de álcool puro equivale a duas garrafas e meia de vinho ou 4,6 litros de cerveja, por pessoa, por semana.

Além de contribuir para o desenvolvimento de doenças, o consumo de bebidas alcoólicas, sobretudo se excessivo, pode ter impacto no desempenho desportivo ou na recuperação dos atletas após o exercício físico. Saiba de que forma.

Álcool e desporto: uma relação antiga

Festejos entre garrafas de champanhe depois de uma grande vitória ou logótipos de marcas de bebidas alcoólicas a “decorar” salas de conferências de imprensa de clubes desportivos não são imagens desconhecidas para a maioria. O desporto e o álcool estão intimamente ligados não só através dos patrocínios e da publicidade, mas também porque se cultivou a ideia de que uma grande vitória pede um brinde.

Mas vamos a factos: há, ainda, poucos estudos que nos ajudem a determinar quais os padrões de consumo e de ingestão de álcool por parte de atletas, assim como quais são as suas atitudes e crenças relativamente à utilização de álcool. No entanto, é sabido que o consumo, sobretudo abusivo, de bebidas alcoólicas pode ser prejudicial ao desempenho desportivo, mas também à saúde.

Em 1982, o American College of Sports Medicine publicou uma declaração de posição sobre o uso de álcool no desporto que evidenciava os seus efeitos potencialmente negativos no desempenho físico dos atletas. Este posicionamento teve por base a evidência científica disponível na altura e concluiu que o consumo agudo de álcool pode prejudicar a força, a potência, a resistência muscular, a velocidade e a resistência cardiovascular. Alguns estudos posteriores a essa declaração vieram sugerir que a ingestão de pequenas quantidades de álcool poderia potenciar a autoconfiança dos atletas, o que, por sua vez, poderia melhorar o seu desempenho. Contudo, desde então, poucos foram os estudos que avaliaram a fundo o impacto da ingestão aguda de bebidas alcoólicas na performance dos atletas, e os que estão publicados revelaram-se inconclusivos e reportaram resultados contraditórios.

Consumo afeta vários sistemas fisiológicos

O que se sabe hoje é que o processo de metabolização do álcool pelo organismo é complexo, e o seu consumo a curto e longo prazo pode, de facto, afetar a generalidade dos sistemas fisiológicos humanos, nomeadamente as funções neurológicas, musculares, termorregulatórias e metabólicas.

Função neurológica

O álcool atua como um supressor direto do sistema nervoso central, comprometendo várias funções e levando ao retardamento, por exemplo, do tempo de reação, do equilíbrio, da memória, da precisão da habilidade motora fina, da visão e do reconhecimento. Esse impacto depende, claro, da quantidade ingerida. Tendo em conta que a maioria dos desportos depende da utilização de pelo menos uma ou mais destas capacidades, devemos assumir que o consumo de bebidas alcoólicas pode impactar o desempenho desportivo. Além disso, a evidência científica revela que existe uma forte correlação entre ter uma intoxicação alcoólica e experienciar um sono de má qualidade, o que se traduz numa ocorrência mais frequente de distúrbios noturnos e numa redução dos períodos de sono profundo.

Função muscular

O consumo de álcool está ainda associado ao desenvolvimento de lesões musculares e a uma redução da capacidade de produção de força muscular, de acordo com alguns estudos in vitro (estudo realizado fora de um organismo vivo e que envolve, normalmente, células, tecidos ou órgãos isolados) e in vivo (estudo realizado em organismos vivos) praticados em roedores. Contudo, existe muito pouca evidência validada com humanos. Por esse motivo, o impacto real que o álcool poderá exercer sobre a função muscular humana permanece ainda incerto. O que se sabe, afinal?

Em teoria, o exercício físico está associado à ocorrência de danos musculares e ao desenvolvimento de lesões nos tecidos moles. A sua ocorrência desencadeia uma resposta inflamatória natural por parte do organismo, que se traduz num aumento de fluxo sanguíneo na área lesionada. A prática médica padrão recorre à utilização de técnicas vasoconstritoras (por exemplo, repouso, aplicação de gelo, compressão, elevação, etc.) para reduzir esse aporte de sangue na área lesionada. O álcool, por agir como um vasodilatador periférico, atua contrariamente a esse objetivo.

Além disso, sabe-se também que o consumo de álcool prejudica o julgamento e reduz as inibições. Como resultado, os atletas intoxicados podem assumir comportamentos de alto risco, que podem aumentar a predisposição para o desenvolvimento de lesões e, assim, comprometer o seu processo de recuperação muscular. Um estudo já conseguiu demonstrar inclusive que a prevalência de lesões em jogadores de futebol que consomem bebidas alcoólicas é habitualmente maior (55%) do que a reportada por jogadores que não bebem este tipo de bebidas (24 por cento). A somar a tudo isto, a intoxicação alcoólica durante o período de recuperação muscular também diminui a predisposição do atleta para seguir as diretrizes de tratamento mais adequadas, o que poderá agravar ainda mais a sua lesão ou atrasar o seu processo de recuperação.

Função termorreguladora

O álcool atua também como um inibidor da hormona antidiurética (ADH). Esta hormona ajuda o nosso organismo a conservar o seu volume de fluido corporal, alterando a produção de urina e controlando a pressão arterial. Mas, como explicámos, o álcool é também um forte vasodilatador periférico, por isso, atua provocando um aumento da perda de líquidos por evaporação pela pele. Assim, o seu consumo traduz-se no aumento da perda de água pela urina e no aumento da perda de suor pela pele, o que poderá levar à desidratação. Importa, contudo, referir que isto só se aplica a bebidas com 4% de grau alcoólico ou mais. As cervejas com baixo teor de álcool, por exemplo, não parecem ter o mesmo efeito desidratante no organismo.

Outro facto conhecido acerca do álcool é que é uma fonte significativa de energia (29 kJ por grama), o que pode dificultar o controlo do peso a longo prazo, quando consumido em quantidades elevadas.

A evidência científica já publicada demonstra que a ingestão de álcool pode provocar uma diminuição dos níveis de glicose no sangue (hipoglicemia) e ainda reduzir a absorção de glicose ao nível muscular, o que afeta o armazenamento de glicose numa fase pós-exercício. Por outro lado, também parecem existir indícios de que esse impacto poderá ser minimizado caso exista uma ingestão adequada de hidratos de carbono depois da prática de exercício físico, mas as conclusões não são claras. Ainda assim, é claro que o consumo excessivo de álcool após o exercício pode interferir na recuperação muscular e na ingestão adequada de hidratos de carbono.

Se fizer desporto, é melhor não beber

Se há, de facto, vários sistemas fisiológicos humanos que podem ser afetados pelo consumo de bebidas alcoólicas, podemos concluir que uma elevada concentração de álcool no sangue antes, durante e após a prática de exercício físico poderá impactar o desempenho desportivo. Mas de que forma?

A verdade é que existem poucos estudos científicos que se foquem neste tema. Os efeitos do álcool no organismo e a grande diferença de respostas entre indivíduos à sua ação dificultam o estudo do seu impacto direto na performance desportiva. Há, por outro lado, uma forte relutância por parte dos comités de ética em permitir que os investigadores induzam intencionalmente a intoxicação alcoólica em atletas para estudar esta problemática.

Apesar disso, o consumo excessivo de álcool nunca é recomendado, até porque os seus efeitos fisiológicos e colaterais podem interferir nas adaptações atléticas desejadas. Além disso, episódios recorrentes de consumo excessivo de bebidas alcoólicas podem deixar um atleta incapaz de atuar ao nível esperado ou desejado. A “ressaca alcoólica”, efeito duradouro provocado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, pode causar desidratação, falta de sono ou sono de má qualidade, desequilíbrio eletrolítico, irritação gástrica, além de distúrbios na função cardiovascular. Há inclusive um estudo que conseguiu demonstrar que um atleta ressacado pode ter a sua capacidade aeróbica reduzida em 11%, o que reduz a sua vantagem competitiva. 

A ingestão excessiva e crónica de bebidas alcoólicas é um fator de risco para o desenvolvimento de mais de 200 doenças, em particular não transmissíveis e lesões. Os atletas que consomem grandes quantidades de álcool de forma crónica têm, por isso, uma maior predisposição para desenvolver limitações sociais e de saúde. Se ao consumo de álcool de forma excessiva estiver ainda associada uma alimentação desadequada e a adoção de outros estilos de vida menos saudáveis (por exemplo, descanso inadequado), a receita pode ser desastrosa, podendo impactar a longevidade da carreira desportiva.

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